segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

SMORGASBORD








                                                                Smörgåsbord








   Agenor Guardanapo havia decidido mudar de vida no ano novo...
   A idade estava chegando e ele temia que, se continuasse com o tipo de vida que levava, teria sérios problemas no dia do juízo final...
   O cara era uma desgraça... Bebia, fumava, namorava todo mundo... Não queria saber se ela era velha ou nova, feia ou bonita, gorda ou magra. O coração batia, ele comia! Adorava orgias e tudo mais que fosse contrario aos ensinamentos de Deus.
   Todo dinheiro que ganhava, gastava em bebida, mulheres, cigarro, gorjeta para dançarinas... Coisas assim.
   Aos quase sessenta anos de idade, não tinha nada em sua vida de que pudesse se orgulhar. Havia feito besteira a vida inteira mas, agora era diferente. Estava decidido...
   Não sabia se estava cansado da vida que vivia ou arrependido do modo que sempre viveu. Apesar de seu estilo de vida, frequentava a igreja e era uma pessoa boa, de princípios. Praticava suas incoerências mas nunca prejudicou ninguém ou permitiu que outrem pagasse pelas consequências de seus atos.
   Acontece que o homem era pior do que São Tome’, tinha que ver para crer. Ver duas vezes antes de crer uma so’.
   Naquele Domingo, depois da missa, foi ate’ a sacristia, conversar com o padre.
-  Dom Cascudo, bom dia! Posso falar com o senhor, um minuto?
-  Claro meu filho! Respondeu o sacerdote.
-  E’ o seguinte seu padre: Tô querendo mudar de vida, ser um melhor cristão para que,
   quando morrer poder ir para o céu. O problema e’ que não sei como e’ la’... Gostaria
   de dar uma chegada no céu e no inferno, so’ para ver a diferença e, depois de ver como e’, ter mais
   um incentivo para mudar de vida.
-  Nunca ouvi falar disso mas, tudo bem! Vou ver o que posso fazer. Respondeu o
   padre. Porque você não acredita? Não e’ mais fácil? Finalizou.
-  Pode ser para o senhor mas, pra mim, so’ vendo... Aquela historia do Tome’, lembra?
   Normalmente, “Vou ver o que posso fazer...” pode ser “traduzido” como “Nao enche meu saco!” Mas, mesmo sem saber porque, ele achava que arrumaria um modo de alcançar sua meta.
   Agenor continuava sua vida, agora dando uma trégua a seu “modus vivendi”. Pelo menos ate’ se certificar que as diferenças entre la’ em cima e la’ em baixo valiam a pena...
   Dois domingos depois voltou a falar com Padre Cascudo...
-  E ai seu padre? Conseguiu alguma coisa?
-  Meu filho, pensei que você estivesse de brincadeira...
-  Seu padre! E’ serio! Trata-se da minha salvação eterna... O senhor tem que me ajudar.
-  Meu filho, me da’ mais uma semana. Vou resolver isto. Com certeza!
   Duas semanas depois, em uma missa, Dom Cascudo chamou aquele fiel e pediu para que, depois da missa, fosse falar com ele.
   Agenor não parou de tremer a missa toda. Estava tao nervoso que, mesmo sem saber, rezou dois terços, pratica que havia adquirido algumas semanas antes, com a finalidade de limpar um pouco sua barra. Não que tivesse a intenção de rezar mais do que deveria mas, com aquele nervosismo, sua mão tremia tanto que pulava uma conta para frente e duas para trás.
   No final da missa, la’ foi ele em direção `a sacristia... Ao olhar para o padre, ainda tremendo de nervoso falou:
-  Seu Padre, e’ melhor deixar pra la’. Não sei se quero saber sobre coisas que não devia...
-  Agora e’ tarde meu filho... Ja’ ta’ tudo combinado. Assim que eu fechar a igreja você  vai ter sua
   resposta. Disse Dom Cascudo.
   Enquanto o padre fechava a igreja, Agenor tremia tanto, apoiado a uma mesinha da sacristia, na qual tentava se segurar, que os santinhos sobre ela começaram a cair, um por um, espatifando-se ao chão. Cabra esperto, sorrateiramente, levantava a toalha que forrava a mesinha e com a ponta dos pés empurrava os cacos quebrados para embaixo da mesa... Ate' chegou a pensar se isso seria considerado pecado... Mais um!
   O padre voltou e, enquanto tentava acalmar sua “ovelha negra”, uma luz mais clara do que a do sol invadiu a igreja e procurou seu caminho ate’ onde estavam.
   Assim que toda aquela claridade penetrou o interior completamente, um anjo apareceu dizendo:
-  Venha meu filho, vamos fazer um “tour” pela vida eterna...
   Agenor nem conseguia falar...
   O anjo pegou o homem pela mão e saíram atravessando parede, porta, muro... Apos subir um pouco no espaço, tomaram velocidade e desceram como um foguete, passando pelo chão, entrando na terra e viajando alguns minutos por uma escuridão assustadora.
   Pararam por alguns segundos e, de repente, uma claridade começou a revelar uma enorme mesa, repleta de comida, um Smörgåsbord, melhor dizendo. Todas as iguarias do mundo sobre uma mesa que se perdia de vista, com cadeiras de ambos os lados e, as pessoas sentadas em frente a tudo aquilo magras, com o semblante de desespero, famintos, sem saber o que fazer ja’ que a distancia entre as cadeiras e o centro da mesa era muito grande e, as colheres `a sua frente, atadas `as mãos, com mais de um metro de comprimento, eram suficientes para alcançar as travessas de comida mas, por serem muitos grandes, não permitiam que conseguissem levar qualquer alimento `a boca.
   O anjo olhou para Agenor e disse:
-  Ja’ viu como e’ o inferno?
   Ao reparar o aceno afirmativo que o homem fez com a cabeça, o anjo falou:
-  Vamos ao céu!
   Depois de minutos rompendo a escuridão, ainda de mãos dadas, saíram sobre as ruas velozmente e voavam em direção ao firmamento...
   Chegando muito acima das nuvens, pararam sobre uma imensidade toda azul claro...
   Novamente, apos alguns segundos, outra imagem se revelava. A mesma cena... Uma mesa enorme exatamente igual `a que haviam visto no inferno. As mesmas cadeiras, as mesmas colheres, as mesmas comidas, tudo exatamente igual. Mas as pessoas sentadas `a mesa estavam alegres, bem nutridas, coradas, felizes...
   Agenor não entendeu nada mas ficou curioso...
   O anjo olhou para Agenor e disse:
-  Ja’ viu como e’ o céu?
   Depois de notar o aceno afirmativo com a cabeça, o anjo pegou o homem pela mão e voltaram para a sacristia da Igreja.
   Em la’ chegando, Dom Cascudo ainda aguardava por eles.
   Ao colocarem os pés no chão, Agenor reuniu todas suas forcas e, vencendo o pavor, perguntou ao anjo:
-  Não entendi nada! Pelo que vi não ha’ diferença entre o céu e o inferno. Com colheres daquele
   tamanho, ninguém consegue se alimentar. Mas porque as pessoas no céu estão tao felizes e as do
   inferno tao sofridas?
   O anjo olhou para ele e, com um sorriso sutil explicou:
-  E’ porque no céu, uns alimentam aos outros.

   Nossa vida pode ser muito fácil ou muito complicada. A opção e’ nossa!...






Copyright 2013 Eugenio Colin
  

  

Nenhum comentário:

Postar um comentário