sexta-feira, 21 de junho de 2013

LE PERVERS






                                                         Le Pervers





   Ontem chegando em casa, ao parar o carro vi, pelo retrovisor, a Jeralda, filha da minha vizinha, correndo em direção `a casa ao lado.
   Sua mãe, que estava no portão recolhendo a correspondência, a recebeu.
   Ao sair do carro ainda ouvi seu discurso nervoso:
-  Sabe aquele tarado que dizem estar solto pela cidade? Sentou ao meu lado no Ônibus. Quase morri
   de medo...
   Quando ela viu meu sorriso, respondeu:
-  Não ri não! Eu quase morro de susto e você fica rindo? E' porque não foi com você... E se uma
   tarada sentasse ao teu lado, no ônibus, e quisesse te levar para casa dela? Disse a menina, afagando
   o proprio cabelo, uma das caracteristicas mais importantes, segundo ela, em sua aparencia.
   Não disse nada porque, certamente, ela não concordaria com a resposta...
   Uma tarada, ao meu lado, querendo me levar? Nunca tive essa sorte!
   Mas, escrevi um poema a respeito do evento...


   Subi no ômbus correndo,
   fugindo de um tarado,
   de medo o peito doendo
   virei e o vi' a meu lado...

   - Amor, toma essa balinha,
   pra adoçar sua boca.
   Eu sei que você vai ser minha,
   na sua cabeça oca...

   Desci do ômbus com medo
   correndo pra minha vo'.
   - Você acordou tao cedo!
   Me disse ela com do'...

   - Não e' isso não vovo',
   eu vi' um tarado na rua,
   me pegou quando estava so'
   distraída, no mundo da lua...

   Com meu cabelo na mão
   dizia que me amava.
   Gritei: - Me larga, se não...
   Me largou, enquanto gritava...

   Limpei o cabelo enojada,
   xingando a sua mãe...
   - Não faz assim minha amada!
   - Ici, prenez a ma main!

   Eu acho que era um Frances,
   falava todo enrolado,
   babando que nem Pequinês,
   fazendo um bico pro lado...

   Usando o computador,
   olhando noticias de gente,
   eu li com grande pavor:
   o tarado estava doente...

   - E agora, o que vou fazer?
   Perguntei para minha mãe.
   - Não sei o que te dizer!
   Vou pensar, te digo damain...

   - Falei com o meu doutor,
   contando o teu problema.
   Me disse com muita dor
   como resolver o dilema...

   - Vais ter que o cabelo cortar!
   Todinho! Deixa-lo pelado,
   pra então poder se livrar
   da doença daquele tarado...


Copyright 2013 Eugenio Colin

quarta-feira, 19 de junho de 2013

RUA ECOLOGIA






                                                               Rua Ecologia




   Câmeras de televisão, repórteres, fios e cabos espalhados por tua rua... Um caos total na rua Philomena Carola, que a partir deste dia especial teria seu nome mudado para “Rua Ecologia”.
   Era a primeira tentativa do município em criar uma rua ambientalista. As casas geravam, através de seus painéis solares 73% da energia que consumiam, a agua que abastecia as casas eram filtradas e próprias para consumo antes mesmo de chegar `as caixas. Lixo reciclado em coletores apropriados para cada tipo de material, plantas de diversos tipos nas calcadas, canteiros de flores...  Realmente um esforco inédito para criar algo novo.

   Finalmente chegara a hora. Todos os moradores ali presentes.  O Prefeito,  recitando um discurso cheio de baboseiras ao qual ninguém prestara atenção, encerara a cerimonia, quando, oficialmente, mudou o nome da rua para “Ecologia”. Agora, como havia mencionado quando segurava o microfone, era so’ viver em paz, aproveitando os beneficios de uma rua planejada que se tornaria modelo `a muitas outras

    Era a primeira tentativa da cidade para melhorar, em muito, a qualidade de vida naquele município.
   Carvalho Pinto, Dona Xeca e seus filho Armando Pinto chegaram bem na hora. O caminhão que trazia a mudança foi obrigado a esperar ate’ que o prefeito e sua comitiva se mancassem e fossem embora.
   A família havia acabado de mudar para Rua Ecologia.
  
   A rua, que era sem saída, havia sido fechada pelas autoridades, tornando-a assim em uma especie de condomínio. Tinham ate’ eleito um administrador responsável pela preservação daquele lugar maravilhoso, na opinião dos moradores.
   Embora com apenas oitenta casas, quase duzentos jovens ali habitavam.
   Nas calcadas, de ambos os lados, canteiros de flores davam um perfume especial ao ambiente. No final da rua, uma praça, cheia de arvores e ate’ um coreto, era o lugar favorito para o encontro de rapazes e moças que ali se reuniam todas as tardes para conversar, tocar violão, fofocar e, os que ainda não tinham namorada, tentar arrumar uma.
   Joãozinho, um dia, conversando com um monte de amigos, ponderou que a rua so’ tinha arvores e flores, relegando verduras, legumes e vegetais a um segundo plano, no contexto ecológico.
   Decidiram então, em uma reunião naquela mesma tarde, apelidar os moradores com nomes de verduras, legumes e vegetais, de acordo com suas aparências “verduleguvegetarianas”, homenageando assim `aquelas plantas que tao bem nos nutrem, ate’ então esquecidas…
   Joãozinho recebeu o apelido de Pepino, Angela seria conhecida como Uva, Ricardo agora era chamado de Nabo, Maria Emília seria Vagem mas, como era pequenina, carinhosamente a apelidaram de Vaginha. Lourival passou a ser chamado Quiabo, uma vez que babava toda vez que ria muito, Clarisse era chamada de Pera, Alex, descendente de Alemães, recebeu o apelido de Pimentão, ja’ que seu rosto era redondo e vermelho, Jaime, sempre descabelado, recebeu o apelido de xucrute. Irritado pelo apelido que não gostou, convocou uma nova reunião pedindo a abolição de seu apelido, tendo como base factual, o argumento que xucrute não e’ vegetal, teoria que foi unanimimente rejeitada apos outra reunião da comissão na casa de Alex, quer dizer, Pimentão, quando sua mãe demonstrou, inequivocamente que xucrute e‘ preparado com repolho, razão pela qual o apelido foi mantido  e assim por diante.
   So’ depois do terceiro dia em sua nova residencia, Armando teve tempo de começar a conhecer os outros jovens que moravam na rua. A esta altura porem ja’ haviam esgotado todos os nomes de vegetais, legumes ou verduras que conheciam. Haviam ate’ apelado para outras línguas quando resolveram apelidar Genoveva de Petit-Pois e Tony, que era filho de Italianos, de Zuchini que, embora não tenha nada a ver com o idioma, soava Italiano.
   So’ restava então, pelo menos por enquanto, apelidar o novo morador de Pintinho. Se pais também fossem receber apelidos, Seu Carvalho seria apelidado de Pintão.
   Numa das tardes em que estavam todos reunidos na praça do final da rua, Pintinho não pode deixar de notar a presença encantadora de Vaginha. Foi amor `a primeira vista. Sabendo porem, por um dos meninos, que ela era muito tímida, começou a tomar cuidados especiais quando conversavam para não assusta-la com alguma palavra mal colocada ou uma frase dúbia e assim, perder, quem sabe, a primeira chance em sua vida de conquistar a primeira namorada.
   Depois de alguns encontros e vários passeios de mãos dadas pela rua, para a ira de alguns rapazes que nunca haviam nem de perto sentido o cheiro de Vaginha, a coisa caminhava bem estre os dois. Pintinho começa a saber das preferências de Vaginha e a cercava com todo carinho e atenção. Alguns ate’ ja’ estavam de implicância com Pintinho. “Como e’ que um cara estranho chega na rua e arruma logo uma namorada? E logo a Vaginha que todos querem!”
   Mas Pintinho era de boa paz. Queria mesmo era ficar bem juntinho de Vaginha, com ela gozar de sua companhia, e ignorar o mundo.
   Um dia, quando ja’ estavam juntos por mais de três meses, convidou sua namorada para tomar um sorvete em sua casa, o que ela, um pouco reticente aceitou.
   Quando la’ chegaram perceberam que seus pais não estavam em casa. Vaginha olhou pare ele com uma cara desconfiada mas, também gostava de Pintinho e, um sorvete e’ um sorvete, alem do mais, eram três horas da tarde e seus pais deveriam chegar a qualquer momento, pensara...
   Carinhosamente ligou a televisão em frente ao sofa’ da sala onde ela sentou aguardando pelo sorvete prometido, enquanto ele ia `a cozinha para lhe servir uma “banana split” de creme chocolate e morango, favoritos de sua namorada. Os sorvetes estavam na geladeira mas a banana, o caramelo e a castanha de caju’ não conseguia encontrar.
   Vaginha olhava para os movimentos de seu namorado, `aquela altura realmente desconfiada. O que sera’ que ele esta’ tentando? Pensava.
   Mais alguns segundos e Pintinho chamou Vaginha para ir `a cozinha ajuda-lo, após, finalmente haver descoberto a castanha, a banana e o caramelo em um armário la’ no alto, fora de seu alcance.
   Assim que ela se aproximou, falou:
-  Pega aqui p’ra mim, abre as pernas e deixa eu trepar em cima. Depois eu deixo você comer  
   tudo sentada no sofa’, ate’ lamber o caramelo que sobrar em cima da banana que vou te dar.
   Vaginha cobriu a boca com uma das mãos e fugiu apavorada, sem nem reparar que seu namorado apontava para uma escada que pretendia ela pudesse alcançar e abri-la para que subindo, pudesse alcançar o que encontrara.
   Vaginha era tão tímida que nem entendeu que quando sua mãe a recomendava que tivesse muito cuidado com os pintinhos, não estava se referindo a um menino, filho do Carvalho.

   Porque não soube ser claro em sua maneira de se comunicar, Pintinho perdeu Vaginha para sempre, mesmo continuando ser seu vizinho na Rua Ecologia.


Copyright 2013 Eugenio Colin

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Mr. JOHN






                                                                     Mr. John






   John, um Americano, nascido em Knoxville, estado do Tennessee, nos Estados Unidos, era maluco por mulher... Por sua falta de sorte havia nascido justamente na que e’ considerada a cidade mais conservadora do “bible belt” Americano. Mulher ali so’ pra casar. Ate’ namorar e’ difícil.
   Para se dar uma olhada, de leve, em um peitinho, era um sacrifício homérico. Ate’ hoje, aos seus 27 anos, so’ havia conseguido uma vez. Assim mesmo teve que namorar por seis meses e jurar, de pe’ junto, que tinha intenção de casar.
   Uma vez, em uma tentativa que pensara ser providencial, arrumou um emprego de motorista de taxi, so’ porque um conhecido lhe disse uma vez que pegou uma passageira sem dinheiro para pagar a corrida, e lhe ofereceu mostrar os seios em troca. “Naquele dia, por sorte, não atropelei três cachorros, passei por cima de uma senhora com uma sacola cheia de compras de super mercado, derrubei um hidrante a avancei um sinal”. Disse aquele motorista.
   Mas John era mesmo sem sorte... Trabalhou dois anos como taxista, e não conseguiu conduzir nem uma porra d’uma mulher que estivesse sem dinheiro para pagar a corrida, ate’ gorjeta recebia.
   Vai ter azar la’ longe!
   Um dia em casa, em um mês de fevereiro, após haver desistido daquele emprego sem futuro, assistindo a um noticiário vespertino, pode ver, para seu espanto e alegria, uma reportagem sobre o carnaval do Rio de Janeiro. Nunca havia visto tanta mulher pelada. Foi meia hora de bunda, peito, coxas, umbigo pintado e coisas que nem sabia existir em corpo de mulher. Ao final do programa, nosso amigo estava babando mais do quem recém nascido. Estava pasmo, estupefato, assombrado, embasbacado, interdito, petrificado, atônito. Levantou da cadeira onde sentava, deu uma arrumadinha, para o que antes dormia poder caber dentro de suas calcas e decidiu; iria trabalhar o tempo que fosse preciso para poder juntar dinheiro e viver um ano no Rio de Janeiro. Se planejasse direito, daria tempo ate’ para vivenciar dois carnavais, se conseguisse sobreviver ao primeiro sem um ataque cardíaco. Não ia para trabalhar ou morar de vez. So’ queria poder ficar um ano sem fazer nada, sentado na praia, vendo mulher pelada... Quer dizer, quase pelada! Tinha o biquíni para atrapalhar...

   Três anos mais tarde, apos jornadas de trabalho que muitas vezes se estendiam por mais de quinze horas, John pediu demissão. Ninguém entendeu porra nenhuma. O cara era o melhor programador da empresa. Sabia tudo. Era educado, gentil, solícito, repeitava ao extremo as colegas de trabalho... Sarah, uma loira de olhos azuis que trabalhava com ele, fez tudo para namora-lo mas, John sabia muito bem... Se comesse, tinha que casar. Dispensou a menina na maior... Todos davam em cima dela e o John não quis. Seu único pensamento era mulher pelada no Rio de Janeiro. Quer dizer, quase pelada! Tinha o biquíni para atrapalhar...

   Finalmente chegou o dia pelo qual aguardara sua vida inteira. Sacou todo o seu dinheiro do banco, vendeu tudo que possuía, entregou o apartamento onde morava de aluguel, fez as malas com o pouco de roupa que havia sobrado e, saiu feliz em busca da realização de seu sonho. Tinha tudo ja’ planejado... Ia alugar uma quitinete no Leme; era mais barato do que Copacabana, Ipanema ou Leblon mas dava para ir ate’ la’`a pe’. Além disso, nos dias de preguissa, poderia ate’ tentar ver mulher pelada na praia do Leme... Quer dizer, quase pelada! Tinha o biquíni para atrapalhar.
   Podia almoçar na praia. Sabia que vendiam cachorro quente, angu, milho verde, batata frita, as mesmas porcarias que comia em sua cidade natal... O único detalhe que  não havia conseguido resolver foi chegar ao Rio a tempo para o carnaval mas, tudo bem, o importante e’ que estava onde queria e, feliz da vida, podia aguardar o próximo carnaval, sentado na praia, olhando mulher pelada... Quer dizer, quase pelada! Tinha o biquíni para atrapalhar.
   Havia no entanto um problema um pouco mais sério que ele não conseguia resolver; o domínio da língua portuguesa. Não era completamente incapacitado mas, como pensara muitas vezes, “e’ muita difixil esso porro desxto linguou”. O importante e’ que o  básico ele conseguia falar, o problema era dos outros que não faziam o esfôrço necessário para entende-lo.

   A vida seguia, em sua opinião, melhor do que planejado. So’ ainda não havia ficado vesgo por sorte. Um dia, tentou virar o pescoço tão depressa que foi parar na Santa Casa de Misericórdia. No dia seguinte, nem todo enfaixado, como estava, deixou de ir `a praia para apreciar “o maior espetáculo da terra”, mulher pelada... Quer dizer, quase pelada! Tinha o biquíni para atrapalhar...

   Estava no Rio por mais de três meses quando, naquele dia, resolveu visitar a praia de Ipanema, onde nunca havia estado.
   Em la’ chegando, sentou em um banco na Vieira Souto e iniciou a admiração da “natureza”... De repente, sentiu seu olhar atraído por uma figura feminina que estava muito distante, quase inperceptivel... Aos poucos os detalhes eram revelados. Cabelos longos, negros e lisos, a pele morena, as pernas longas, o corpo escultural, olhos verdes... Como um imã, aquela mulher o atraiu, fazendo que ele se levantasse de onde estava e a seguisse. Andava a uma distância segura para não assustar a presa. Inconscientemente entrou no mesmo ônibus, sem mesmo saber o destino. Viajou por horas ate’ chegar não sabia onde. Mal entendeu o motorista dizer: “Bangu, parada final”. Assim que a viu levantar, fez o mesmo. Ainda a seguia a distância quando a percebeu entrando em um portão apertado, dando impressão de tratar-se de uma casa de fundos.
   Mas, e agora? O que poderia fazer? Não tinha a menor ideia de onde estava. Nem sabia como voltar para casa. Andou meia hora, de um lado para o outro da rua, pensando, pensando...
   Pensava naquela mulher maravilhosa, que o havia encantado, quando viu um casal se aproximar. Olhou para os dois sem saber exatamente o que queria fazer.
 - Tudo bem? Cumprimentou o rapaz que se aproximava dele.
 - Nau xei aindo. Respondeu John.
-  Você fala Português? De onde e’?
-  Sou de Tennessee, Estados Unidos maix esta’ aca paro conescer a Rio.
-  Ta' entendendo alguma coisa? Perguntou a moça que acompanhava o rapaz.
-  Me chamo Três Pernas. Apelido e’ claro. Esta e’ minha noiva, Rosilda Gostosa.
-  Minha nome es John.
-  O senhor mora aqui?
-  Não sei onde eu mora...
-  Esta’ perdido?
-  Acho que esta’. Respondeu John,
   Tentando ajudar, mesmo contra as advertências de Rosilda, Três Pernas convidou o forasteiro `a sua casa.
   Mais calmo, depois de contar toda aquela historia, desde quando ainda dirigia taxi, John confessou que nunca havia visto nada mais lindo em sua vida do que aquela mulher que entrara no portão que podia ser visto da casa onde estava.
   Não e’ a casa da Gracinha? Disse Rosilda.
   Inexplicavelmente, eles gostaram do estranho. Depois de horas de conversa, ofereceram que ele dormisse ali mesmo e que, no dia seguinte, Sábado, quando sabiam que seu interesse amoroso não trabalhava, os apresentariam.
   John não entendeu nada mas aceitou. Além do que, `a esta hora não tinha mais ônibus para Copacabana.

   Quando acordou, convidado para o cafe’ da manhã, teve a maior surpresa de sua vida; ali estava, diante de seus olhos aquela mulata que havia seguido na noite anterior, mais linda do que pensara com um sorriso capaz de fazer qualquer um  comprar a pasta de dente que anunciara.
   John tremia de nervoso, pensou ate’ que fosse dar caganeira.
   Três Pernas e Rosilda se divertiam com a tentativa de conversa entre os recém conhecidos.
 - O gringo e’ legal! Disse Três Pernas `a sua companheira. Vamos deixar eles
    sozinhos...
   Os dois conversavam desde que se viram pela manhã. `A noite, John ate’ ja’ tinha melhorado seu Português. Pelo menos Gracinha estava entendendo...
   Eram onze horas da noite e os dois ainda estavam grudados no sofa’ onde sentaram desde que terminaram o almoço que ela mesmo fez questão de preparar.
   Desta vez foi Rosilda que sugeriu a Três Pernas que o convidasse para a quermesse do Bangu, clube que frequentavam. Ate’ seu amigo Brolha e sua prima estariam la’. John estava envergonhado de dormir pelo segundo dia na casa de uma pessoa que mal conhecia...
-  Fica frio, amigo! E’ um prazer. Além do mais, deixa eu falar... Por favor, tome
   cuidado com Gracinha. Ela’ e’ uma pessoa maravilhosa mas, não deu muita sorte na
   vida... Tinha muita ambição em estudar, ser alguem mas, arrumou um pilantra que a
   deixou quando estava grávida  e nunca mais apareceu, nem para ver a filha.
-  O que ser “pilantra”? Perguntou John
-  Uma pessoa desonesta, sem caráter, que engana os outros...
-  Oh! I know! An asshole!
-  O que? Indagou Três Pernas
-  Deixo pro la’! Disse John. Não preaculpa se. Não ser pinlantrow...

   Domingo pela manha, Gracinha chegou `a casa de Três Pernas toda sem jeito para saber de John se ela podia levar a filha com eles.
   Em um momento de desafogo, conversando com Rosilda perguntou: “Qual e’ a desse cara? Loiro, bonito pra cacete, parece um artista de cinema... Que sera’ que ele viu em uma empregada doméstica dura, com uma filha, que mora em Bangu?
- Amiga, você tem espelho em casa? Olha bem para o teu corpo, teu rosto... Você e’ 
   delicada, educada, gentil, linda... Não sei não minha amiga mas, tenho a impressão
   que você esta’ com sorte.
   Gracinha também havia se interessado naquele Americano. Não sabia direito o que ele queria. Por certo namorar, dar uns beijinhos, uns amassos... “Ate’ que eu dava uma trepadinha com ele...” Pensou, em um momento em que viu o tamanho de seus pés. Dizem que o tamanho do pe’ revela o
tamanho do... "Sera' que e' verdade?" Pensou, curiosa...

   Eram cinco horas da tarde quando resolveram que ja’ era hora de ir para a festa no clube. Gracinha estava mais linda do que nunca. Sua filha Graciosa ouviu de Mr. John, como ela o chamava, que era encantadora.
-  O senhor me ensina Inglês, Mr. John? Disse a menina.
-  Sou se voxe insenhar mim Portugueix... Respondeu
-  O que ele disse? Perguntou a menina `a mãe.
   Gracinha estava feliz... Mesmo ainda sem ter um sentimento maior por aquele estranho que conhecera ha’ apenas um dia, começava a admira-lo e, estava disposta, se ele obstinasse, a manter uma aventura amorosa. Principalmente porque ha’ anos não sabia o que era sexo. “Como e’ que eu vou trepar? Trabalho a semana inteira como uma condenada, estou sempre fedendo `a alho, cebola, cafe’, agua sanitária... No final de semana estou mais cansada do que jogador de futebol depois do treino”... Ainda bem que John não conseguia ler pensamentos. Se, vagamente, soubesse do que estava se passando na mente daquela mulata linda, como jamais vira outra igual, ela seria degustada ali mesmo, com roupa e tudo.
   Agora no clube, sentados `a uma mesa, ao lado de seus vizinhos, Gracinha falou, dirigindo-se a sua filha: “Quer um guarana’?” Apos a resposta afirmativa da menina, virou-se para John e disse: “Para você, meu amigo, vou trazer uma caipirinha.”
   Ela se levantou em direção ao bar, imanando, como fazia desde  o dia anterior, os olhares, pensamentos e atenções do gringo. Enquanto se afastava, em direção ao bar, John pensava: “Ja’ penxou esta mulier pelada?” O melhor e’ que, naquele pensamento, era pelada mesmo! Não tinha biquíni para atrapalhar...
   Assim que chegou de volta `a mesa, deu o refrigerante para a filha e caipirinha para John. Pronto! Era so’ o que faltava. Sem saber ela havia aberto a “boceta de Pandora”. Foi a primeira vez que ele estava provando uma caipirinea, como ele pronunciava. Passou a fazer parte integrante de sua vida...
   Agora, e’ claro, ele teria que dormir mais um dia na casa do novo conhecido. Tomou tanta caipirinea que ja’ estava de porre antes mesmo da festa começar. Gracinha se divertia... Gostava daquele homem. Ele era espontâneo, engraçado, gentil, sempre sorrindo, e além de tudo, passara o dia inteiro, conversando, brincando, fazendo cócegas em sua filha que, aparentemente, também havia se entrosado perfeitamente com seu novo “amigo”.
   Aquela Segunda-feira foi um dia triste. Tinha que voltar para casa. Acompanhou Gracinha ate’ o seu emprego em Ipanema onde ela ficaria ate’ o final de semana...
-  Poxo tei ver na Sábada por na manan?
-  Claro! Vou telefonar para Graciosa dizendo. Sei que ela vai ficar contente...  Respondeu, sorrindo.

   O dia foi terrível para John. Não comeu nada o dia inteiro... Não queria sair de casa. So’ pensava nos dias em que esteve em Bangu.
   Dois dias depois, sem nenhuma explicação, telefonou para seu novo, e único amigo, Três Pernas, perguntando se dava para ajuda-lo a conseguir um emprego.
-  Pensei que você estivesse no Brasil para gozar férias?
-  E’u tambiem maix, para cuidar do famílio tenho que trabaliar... Disse John.
-  Que família? Pensei que estava’ so’... Respondeu Três Pernas.
-  Estar so’! O famílio vem por maix tarde...
-  Ta’ complicado entender mas, a melhor pessoa para te arrumar emprego e’ a Betty
    Frigida, amiga do meu amigo Brolha. Vou falar com ela.
-  Possa ir Sábado ate’ xua caso?
-  Claro! Melhor ainda! Vou falar com a Betty... Ela mora na lagoa e pode passar aí para 
   te pegar. Disse Três Pernas.
-  Maix nao ser longine pra elo?
-  Nada! A Betty adora vir a Bangu nos visitar...
   O resto da semana foi excruciante. John não saiu de casa uma vez sequer. Esqueceu de bunda, de peito, de coxa. So’ pensava em Gracinha. Havia ate’ se esquecido de ver mulher pelada... Quer dizer, quase pelada! Tinha o biquíni para atrapalhar...
  
   Eram nove horas da manhã de Sábado quando ouviu a voz de Betty pelo interfone. Ja’ a esperava. Desceu imediatamente.
   A conversa ate’ o destino foi animada. Betty colheu todas as informações inerentes ao emprego que John procurava. A única observação que fez foi: “ Mas você tem que melhorar teu Potugues”.
- “Estar trabenlhando nixtou!
   Betty se divertia com o Americano. Como os outros, havia gostado muito dele, imediatamente.
   Ao chegarem `a casa de seu amigo, todos ja’ la’ estavam, esperando por eles... A primeira a correr em sua direção foi Graciosa, que pulou em seu colo. Gracinha chegou perto e deu um beijo respeitoso em seu rosto enquanto ele a abraçava saudoso.
   O cafe’ da manhã, em sua homenagem preparado, era de fazer inveja a um hotel cinco estrelas... Tinha de tudo; pão doce, salgado, roquinha, bolo de milho e de fuba’, pão de queijo, jerimum, banana, mamão, queijo de minas e queijo prato, leite, cafe’. Tinha ate’ batata frita para a menina... Durante toda a refeição John estava muito calado e compenetrado, o que, de certa maneira, preocupava a todos, principalmente Gracinha, que ate’ tentava impedir sua filha de chegar muito perto dele.
   Assim que terminaram e se dirigiram `a sala. Betty começava a falar sobre o que estava pensando, em relação ao emprego de John quando ele, levantando-se de onde estava falou: “Dao licencia!” Se ajoelhou ao chão, em frente `a Gracinha, segurou sua mão, e disse:
-  Meu querido! Sei qui extou aca so’ poucous diax maix gosta saber se voxe ser meu
   exposo... Nao sei falo muito teu linguou maix sei qui te ama muita... Por Favor? Disse 
   John.
   Gracinha levou os dedos `a boca, arregalou seus lindos olhos verdes e começou a  chorar... “Porque mamãe ta’ chorando? Mister John não fez nada!” Pensava sua filha, entristecida.
   Betty, calada, instintivamente arregalara os olhos, sem saber de onde tudo aquilo havia surgido...
   O único que começava a entender era Três Pernas. “Por isso queria trabalhar...” Pensou.
   Pronto! Haviam aberto as portas da represa. Gracinha não parava de chorar. Ja’ havia molhado dois guardanapos, agora pedia uma toalha. John acariciava as mãos ásperas de sua, noiva. Graciosa se sentara em uma poltrona no canto da sala toda triste. Não estava entendendo porra nenhuma. Rosilda agarrou o braço do namorado e tascou-lhe um beijo bem babado, o qual, a respondeu beijando sua testa carinhosamente.
   Agora estava pior! Além de chorar, também soluçava.
   Rosilda veio com um copo de água com açúcar, que todo mundo sabe, não adianta nada mas, insistem em sua administração.
   Finalmente, depois de mais de uma hora, a coisa estava pior. Gracinha olhava para John e chorava... Desviava o olhar, se acalmava um pouco, olhava para ele e, chorava novamente.
   Os outros, demonstravam surpresa e alegria com risos e cumprimentos enquanto Gracinha chorava mais ainda.
   Em dado momento, Mr. John muito sério, olhou para ela e disse: “Nao quer maix nao! Desixtiu!”. Todos olharam para ele. Gracinha parou de chorar e disse: “O que?” Ao mesmo tempo em que ele começou a rir dizendo: “Viu? O suxto faix passa’ o lagrimos melhour di qui aguou doce...”
   Mr. John podia não saber falar Portugues mas, ja’ estava assimilando os costumes locais...
   Engraçado! De repente não queria mais ver peito, bunda, ou mulher pelada... Quer dizer, quase pelada! Tinha o biquíni para atrapalhar...
   Mas, não era isso que as meninas de Knoxville queriam, casar antes de trepar? Vai se entender a humanidade...
  
   O resto de dia foi de festa.
   John pediu que Gracinha parasse de trabalhar. Queria que ela estudasse e cuidasse da casa. Assim que casassem queria leva-la aos Estados Unidos para conhecer seus pais. Graciosa fazia sua parte. Tentava ensinar Português a Mr. John mas, ele era duro de aprender... Não conseguia entender quando usar “a” ou “o” no final das palavras... A menina fazia de tudo e nada de ver resultados.  “ Masculino e’: O, feminino e’: A. Entendeu Mr. John?” “Não! Que ser masculina? !” ouvia em resposta, invariavelmente...
   Em um domingo ensolarado, quando saiam para uma visita, e pequenas compras no shopping center mais próximo, Gracinha escorregou no meio fio da calçada e se estabacou no chão, bolsa para um lado, sapato para o outro, saia pra cima e calcinha aparecendo. Ao ver a mãe imóvel no asfalto quente, a menina gritou: “Mr. John! Mr. John! Acuda a mamãe!
   John, calmamente olhou para a menina, dedo em riste e afirmou: “Não e’ A Cu da mamãe! O certo e’ O Cu da mamãe”... As aulas estavam começando a ter resultados.

   Com o dinheiro que tinha, planejava comprar uma casa para eles, em Bangu, e’ claro, junto de seus amigos. Com o saldo, abrir uma conta de poupança, começar a trabalhar o mais rápido possível e iniciar a vida que jamais havia planejado.
   Em pouco tempo fazia parte de um circulo que, assim como ele, tiveram a felicidade de conhecer pessoas humildes, alegres, honestas e sinceras.
   Três Pernas, Rosilda Gostosa, Brolha, Trolinha, Betty Frigida, eram amigos de convivência quase diária. Ate’ Josélia Madrugada e Maria Cefetina os visitavam de vez em quando
   As ideias do passado deram lugar `as taras do presente. Havia trocado quantidade por qualidade. Em sua opinião, sua futura esposa dava de dez a zero em todo aquele monte de mulher pelada. Quer dizer, quase pelada! Tinha o biquíni para atrapalhar.
   Ganhou ate’ uma filha, sem ter que fazer nada...

   Vai ter sorte la’ longe, Mr. John!






Copyright 2013 Eugenio Colin
  

terça-feira, 11 de junho de 2013

TUTU DE FEIJÃO





                                                                Tutu de Feijão             



   Eram sete horas da manhã quando Dona Benévola do Rego Grande bateu `a porta de Bucéfalo do Pinto Vermelho.
   Pinto, como era conhecido pelos amigos, acordou assustado pensando ser mais uma vítima de assalto pedindo refúgio, como ja’ havia acontecido na semana anterior.
-  Fala Dona Bené... Disse Pinto, ao abrir a porta, ainda bocejando.
-  Meu filho! Você tem que me levar ate’ a cidade hoje
-  Que que aconteceu, Dona Bené?
-  Hoje e’ o último dia para pagar minha conta da Light. S’eu não pagar hoje, eles vão
   corta’ minha luz, se corta’ minha luz vou perder o capítulo final da novela das sete.
-  Por favor não deixe isto acontecer...
-  Dona Bene’! Não e’ mais fácil ficar de olho e quando o cara da Light chegar pra cortar 
   a luz a gente cobre ele de porrada?
 - Num diz bobagem meu filho!
 - Poque a senhora não paga na Lotérica?
 - Ja’ tentei mas estou dois meses atrasada.
 - Porque não pagou antes?
-  Tava dura!
 - Como e’ que a senhora arrumou o dinheiro?
 - Vendi meu papagaio...
 - Tem gente que compra papagaio?
 - Claro! Além do mais, o meu sabia falar tudo que era palavrão... Isso da’ um valor
   inestimável na “bolsa de papagaios”.
 - Deixa de preguissa, me leva la’... Insistiu Dona Bene’
   Na verdade, Pinto não era preguiçoso, não se importava em ficar de pe’ mas, tinha
que ter o motivo certo... Ate’ que gostava de arrumar algum pretexto para poder dar uma volta em sua “moto”, novinha.
   O fato era que sua “PCX” não deve ser considerada exatamente uma motocicleta.  
   Tecnicamente e’ uma scooter. Ate’ aí tudo bem. Quem não tem cão... O problema era que Dona Bene’ não possuía um porte físico adequado ao uso destes pequenos veículos locomotores. Todos os seus 120 quilos não caberiam naquele assento trazeiro minusculo.
 - Ta’ bem! Não quer me levar? Nunca mais faço tutu de feijão  pra você.
 - Calma Dona Bene’! Eu levo!
 - De ma’ vontade eu não quero... Disse, ja’ indo de volta para casa.
 - Eu levo! De boa vontade... Disse o rapaz, dando uma boa olhada no trazeiro de sua
   visinha, enquanto ela se afastava, rebolando satisfeita, tentando rapidamente fazer
   um cálculo apressado, pra ver se cabia na moto, baseado naquilo tudo que via
   mover-se `a distância, como cubos de gelatina em prato de criança tentando evitar 
   que se esparramem no chão
   Pinto ainda teve tempo de ver o sorriso vitorioso de sua visinha enquanto ela gritava de longe: “Vou me vestir e volto.”
   “Tô fudido! Sair de Madureira ate’ a cidade... Pensou... Essa porra dessa coroa vai acaba com minha moto”.
   Em sua mente, valia mais a pena arriscar a integridade da moto do que ficar, para sempre, sem poder comer o tutu de feijão da visinha, seu prato favorito.
   Pinto era solteiro, vivia so’, não sabia cozinhar, nem precisava... Tinha sempre uma namorada que o nutria ou, em último caso, os petiscos de Dona Bene’. Fome e’ que não ia passar.

   Assim que deu partida na “moto”, ja’ com o assento da garupa ocupado, percebeu que seria viagem sacrificada... Primeiro, o Pinto ja’ estava quase caindo. Se não fossem suas calças que o mantinham no local apropriado, estaria no  chão ha’ muito tempo. Elas o ajudavam a se manter sentado, sem escorregar, toda vez que freava e via aquela avalanche de “saude” se desprender em sua direção.
- Porque você não comprou um Opala. Aquilo e’ que e’ um transporte, esse teu banco ta’ entrando na minha bunda... Disse Bene’, aos gritos
- Dona bene’, não adianta falar que eu não escuto porra nenhuma.
- Eu disse que o Opala e’ bom, não machuca minha bunda. Gritou novamente.
- Em casa a senhora me fala... Disse Pinto
- Como e’ que e’? Minha fala atrapalha?
- Dona Bene’, fica calada!
- Se eu estou atrasada? Não! La’ só fecha `as quatro. Gritou a visinha...
   O que ele não podia mesmo era dar ouvidos `as frases que dos passageiros dos ônibus que por ele passavam, ja’ que não conseguia manter velocidade maior do que 50 quilômetros por hora.
   Coisas como: “O cara! Você e’ que tinha que ta’ atrás dela. Assim não vai acontecer nada”, “Vai comer a vovo’ hoje, ne’?”, “Que saúde Guilhermina!”, “Aí! A moto ta’ peidando mais do que a velha”, “Tem pra hoje, ne’ camarada?” foram ouvidas pelo percurso inteiro. Desde que entraram na Avenida Brasil era uma gozação depois da outra. Sera’ que um prato de tutu de feijão valia o sacrifício? E’ bem verdade de que se tratava de tutu `a mineira com torresmo, ovo cozido e tudo mais...

   A duras penas chegaram `a agencia da Light na Marechal Floriano. Asim que sua carona desceu, Pinto informou que esperaria por ela na calçada, onde ja’ estava estacionado.
   Dona Bene’ saiu, alegremente, em direção ao prédio enquanto Seu Pinto pensava na vida...
   Em menos de cinco minutos, enquanto Pinto ainda lembrava do tempo em que era pequeno e molenga, seguindo o ritual cronológico de introspeção pessoal que resolvera simular em sua mente, absorta pelos horrores que os pensamentos incestuosos sugeridos pelos interlocutores ocasionais em ecrãs que por ele passaram em alta velocidade.
- Olha aí, companheiro... Hoje e’ seu dia de sorte... Este bilhete voou da minha mão e
   caiu bem no teu pe’. Disse a vendedora de bilhetes de loteria, aplicando um golpe
   velho que ainda hoje, por incrível que pareça, ainda funciona... `As vezes!
-  Quanto e’? Perguntou Pinto
-  So’ cinquenta! Respondeu a mulher.
-  Dou dez! Pinto goza a vendedora.
-  Não acredito! So’?
-  E’ porque estou duro!
- Te dou por vinte! Disse ela - Feito! Pega aqui, antes que eu desista de me arriscar com você. Disse ele, tirando uma nota da carteira.
   Pegou o bilhete, olhou para o numero displicentemente, e o colocou em sua carteira, ainda aberta.

   Mais de uma hora havia se passado quando viu, e ouviu, Dona Bene’ andando em sua direção gritando: “Desculpe meu filho, tinha uma fila filha da puta la’ dentro e ainda tive que esperar “piranha” que me atendeu acabar de falar no telefone”.
   A viagem de volta foi mais tranquila... Ainda eram duas horas da tarde e o trafego de volta para o subúrbio ainda não era intenso.
  Mais tarde eu venho te dar um pouquinho de tutu que vou preparar. Disse Dona Bene’, agradecida pela ajuda de seu vizinho.

   Eram cinco horas da tarde de domingo quando Pinto, sem prestar muita atenção ao  noticiário do intervalo do jogo que assistia pela televisão ouviu: “E no Rio de Janeiro, uma vendedora ambulante diz ter  vendido o bilhete premiado do bolão a um rapaz sentado em uma moto”.
   Assim que distraidamente ouviu a notícia, Pinto colocou o prato com o resto do tutu, com o qual estava prestes a fazer um sanduíche, de volta `a geladeira e correu para sua carteira para ver o bilhete. Abriu o computador com pressa para conferir os números. Não conseguia acreditar no que estava acontecendo... Ainda olhou três vezes para o bilhete e para o computador, antes de ter um ataque do coração e morrer sem a certeza de que realmente havia ganho, sozinho, o premio de trezentos e cinquenta milhões de reais.

   Refeito do susto que quase o matou, Pinto passou a semana inteira envolto com a burocracia inerentemente conectada aos problemas de quem tem uma puta sorte igual `aquela.
   A primeira providência, assim que sua vida se acalmara um pouco foi comprar um Opala 1992, último ano em que foi fabricado, novinho, com apenas 31 mil quilômetros, e dar de presente para sua vizinha, Dona Bene’.
   As lágrimas jorravam dos olhos, daquela senhora agradecida, como o verter da nascente de um rio ao descer da cachoeira. Agora, dirigindo seu próprio carro, não precisaria mais ficar se acomodando melhor no banco, como se tivesse com hemorróidas inflamadas, da mesma maneira que fez ha’ alguns dias, naquela viagem da sorte, tentando salvar as partes de suas nádegas avantajadas que não cabiam naquele assento projetado para pigmeu.
   Agora, antes da viagem `a Europa na qual sempre, remotamente pensou, queria comprar o apartamento de seus sonhos: uma cobertura dúplex, com piscina e vista para a Lagoa Rodrigo de Freitas, em sua opinião, um dos locais mais lindos do mundo.

   Meses após devidamente instalado em seu novo apartamento, ja’ “aposentado” pelo destino bondoso que o presenteou regiamente, morrendo de saudades do tutu de feijão de Dona Bene', arrumava as malas em direção  `a sua excursão Europeia.
   Ainda pensou ir para o aeroporto na sua “PCX” porém, olhando bem para sua mala, lembrando dos problemas que teve alguns dias atrás, decidiu que o melhor seria chamar um taxi. Afinal, de agora em diante, economias eram desnecessárias.

   Como todo “parvenu” viajava de primeira-classe, com direito a todas as mordomias que nós, reles mortais, so’ veremos de perto na hora do desembarque do avião.
   A porra da aero-moça, que na verdade era um careca baixinho e chato, não parava de encher o saco... Olhava para ele com cara de babaca dizendo: “Champagne monsieur?”  “Voulez-vous caviar?”  “Senhor! Escargot?” Depois dessa Pinto não resistiu e respondeu: “Ainda não mas, se comer esse monte de porcaria que você esta’ tentando enfiar na minha guela, não tenho duvida que vou cagar pra caralho...”
   Depois dessa o “comissário de bordo”, como preferia ser denominado, deixou o Pinto em paz.
   Doze horas depois, aterrissavam em Roma. onde ficariam três dias... Dali, foram de ônibus para Bruxelas, na Bélgica, depois Berlim, na Alemanha. Então para Paris, na França.
   Ate’ então estava tudo bem. Em uma manhã, a caminho de um passeio pela Torre Eiffel, viu nas ruas de Paris, um monte de scooters, uma delas pilotada por uma “senhora” de certa maneira um pouco avantajada, coisa não muito comum no país. Imediatamente, por associação de ideias, lembrou da sua “PCX”. Depois, lembrou-se da viagem ao centro da cidade, daí a volta para case e, finalmente, o tutu de feijão que degustou `aquela noite. Agora a coisa estava preta. Deu banzo, dos brabos...
   Foi ate’ a guia turística que os acompanhava e perguntou se dava para encontrar um restaurante que contasse com seu prato favorito no cardápio.
- Tutu de feijão de Paris? Vai ser difícil... Ouviu em resposta.
   Mas o Pinto não iria amolecer, ou desistir. Estava firme! Em todo restaurante que entrava perguntava aos garçons: “Avez-vous haricot tutu?”
   “Quoi?” Ouvia em resposta, acompanhado por um semblante que denotava espanto e um certo receio...
   Foram quatro dias de “Avez-vous?” e “Quoi?” sem nenhum sucesso.
   Agora, de repente, Pinto mudou seu humor de saudoso para puto dentro das calças.
 Como e’ que ninguém serve tutu na Europa? Azucrinava no ouvido da guia que ja’ estava começando a se desesperar.
   Em Madrid, Espanha, próxima etapa da viagem, a mesma coisa...
- Tienes tutu de frijoles?
- Que es eso? Respondiam os garçons, invariavelmente.
   A esta altura do campeonato, a guia fazia o possível para se esconder do Pinto que a perseguia, sempre com as mesmas intenções.
   Chegaram a Lisboa, Portugal. A última etapa da excursão. Ele ja’ estava ate’ conformado... Tutu, so’ quando estivesse de volta, em casa. Passeava triste e desinteressado pelas ruas da cidades, ouvindo as mesmas baboseiras que a cicerone certamente repetia quando, sem motivo, olhando para cima viu escrito em uma placa de madeira: “Cantinho do Brasil”.
   Pinto não podia acreditar! Olhou para sua guia e falou: “Pode ate’ me deixar aqui se não quiser me esperar mas, aqui tem tutu!”
   Meteu a mão na porta e foi entrando.
   Gumercinda Goulart, “Gugu” como era conhecida a cicerone, ja' que com o nome de Gumercida seria difícil arrumar um emprego igual `aquele, olhou para o relógio e constatou que era quase hora do almoço, resolveu então, com anuência geral, que tomassem as refeições ali mesmo.
   Agora estava em casa. Nem seria preciso abrir o dicionário de expressões de viagem que no bolso carregava.
   Foi direto ao gerente do estabelecimento...
 - Você sabe o que e‘ tutu de feijão?
-  Claro! O que mais gosto e’ `a mineira, com pururuca, ovo cozido e couve... Disse Seu 
 Pedro Paulo dos Anjos Maria de Oliveira Travassos, Gerente. Como estava escrito na
 plaqueta de orgulhosamente ostentava no peito.
 - Que maravilha! Pode me servir um? Pediu Pinto, com alegria.
-  Não! Não faz parte do nosso cardápio.
   Foi como se o mundo houvesse desabado em cima do Pinto, esmagando-o mais do que se Dona Bene’ tivesse sentado em seu colo. Imediatamente seu semblante entristeceu profusamente.
   Olhando aquilo tudo, penalizado pelo efeito devastador que suas palavras causaram naquele jovem, Seu Pedro Paulo dos Anjos Maria de Oliveira Travassos, o gerente, falou: “Se poder esperar um pouquinho, te preparo um”.
   Se, alguns dias antes, no “Olympia de Paris”, houvesse assistido a um concerto de Debussy, os sons jamais seriam tão harmoniosos como o daquelas palavras que acabara de ouvir.
   Enquanto os companheiros de excursão comiam bolinhos de bacalhau, garoupa recheada, pastel de natas, chourisso, aletria, e outras iguarias locais, nosso Pinto aguardava seu prato favorito ser preparado a milhares de quilômetros de casa por uma alma caridosa que compreendeu a razão intrínseca daquele pedido.
   Todos ja’ haviam terminado e agora bebiam “sumol” enquanto esperavam pelo tutu do companheiro de viagem.
   Foi com lágrimas nos olhos que nosso herói pode ver o gerente trazendo, ele mesmo, a refeição por tanto tempo desejada.
   Segurava na borda do prato com carinho, e também porque estava quente pra cacete, andando diligentemente em direção a seu cliente.
   Estava perto da mesa onde Pinto sentava quando Maria das Dores, uma das que faziam parte da excursão, sentiu seu estomago emitindo sons estranhos e doloridos, acompanhados de cólicas, talvez devido `a quantidade enorme de tremossos que havia degustado. Sabia que se esperasse mais um minuto, ia cagar ali mesmo. Imediata e abruptamente se levantou e, ao iniciar a corrida que a livraria do maior vexame, deu uma porrada bem nos peitos do gerente que portava a refeição de seu companheiro de viagem.
   Seu Pedro Paulo dos Anjos Maria de Oliveira Travassos caiu para frente, o prato de tutu voou uns dois metros no ar e se espatifou, em cheio, no chão de pedras portuguesas daquele restaurante brasileiro.
   A primeira reação de Gugu foi de dizer que não dava mais tempo de comer nada. A hora do almoço ja’ havia se estendido por duas horas e meia mas, pensando bem, olhando para o semblante daquele pobre mortal, achou que seria mais prudente aguardar um pouco, e ver qual seria a atitude de seu passageiro. Estava com receio de ser vítima da ira do Pinto e que ele, por isso mesmo, fizesse com ela o que outros não conseguiram.
   Além disto, se preocupava também com integridade física de Maria das Dores que voltava do banheiro aliviada e, so’ agora, se dava conta do transtorno que causara.
   Sentado ao mesmo lugar, sem proferir uma palavra, todo encolhido, Pinto apenas se resignava com sua sorte. Agora tinha certeza que tutu, so’ quando chegasse em Madureira.
   Os últimos dias da viagem foram tristes e deprimentes para aquele pobre rapaz, cujo único pecado havia sido ter vontade do comer seu prato preferido, ao invés de “schinitzel”, “bratkartoffeln”, “eisbein”, “pasta fagioli”, nomes que nem conseguiria pronunciar. Aliás, daquilo tudo, so’ havia entendido um tal de “bunda beije”, que lhe haviam sugerido três dias passados, quando ainda estava em Paris. Disseram que se tratava de uma espécie de sopa de peixe mas, com aquele nome, decidiu não arriscar.

   Eram sete horas da manha do dia seguinte quando, ja’ dentro do avião, acordou com o anuncio que dentro de vinte minutos estariam pousando no aeroporto Antônio Carlos Jobim no Rio de Janeiro. Assim que ouviu o anuncio, olhou pela janela ainda a tempo de ver a aeronave contornando o “Santos Dumont”, em direção ao “Galeão” imediatamente lembrou: “Minha alma canta, vejo o Rio de Janeiro, estou morrendo de saudades...”
   Assim que chegou em sua nova residencia, a qual ainda não tivera muito tempo para aproveitar, telefonou para Dona Bene’ que, toda satisfeita com a volta do antigo vizinho, o convidou para uma festa de boas vindas que iria organizar em sua homenagem, no dia seguinte.
   Eram dez horas da manha quando Pinto, preparado para a festa, entrou na cozinha da vizinha.
   Foram abraços, beijos e sorrisos. Ate’ uma furtiva lágrima, percebeu nos olhos da anfitriã.
   Ao enatar na sala, por ela acompanhado, uma surpresa... Mais de vinte pessoas, amigos e ex vizinhos estavam `a sua espera, indagando a respeito do que havia vivenciado. Todos o olhavam como se estivessem aguardando por um discurso.  Chegaram `a sua volta, Dona Bene’ sentou-se por último e disse: “Conta! Como foi?”
   Ele ainda deu uma ultima olhada para os que o cercavam e falou:
 Sabe? Vi muita coisa bonita... Museus, jardins, teatros, o Vaticano... Em Bruxelas, quando me mostraram uma das maiores atrações da cidade, reconheci o manequinho do Botafogo, so' que sem a camisa gloriosa.. Experimentei comidas que nem sei como pronunciar mas, todas elas, iguais as daqui... Na Itália, comi pizza e lasagna, Em Paris comi estrogonofe e bomba de chocolate, Na Alemanha comi bife `a milanesa com outro nome, em Portugal, bacalhau de varias maneiras... O que não encontrei foi um Corcovado, um Pão de Açúcar, uma Floresta Amazônica, uma Foz do Iguaçu, um estádio do Maracanã, uma Ilha de Fernando de Noronha, praias com areias brancas, iguais as do nordeste e, principalmente, a alegria contagiante do nosso povo...
  Vou dizer uma coisa... Quero que cada um de vocês escolham o que quiserem. Uma casa, um carro, qualquer coisa que os façam feliz. Quero dividir com todos a sorte com que fui premiado. Para Dona Bene’, que me “obrigou” a leva-la na cidade, vou comprar a casa em que mora de presente. Não quero ficar à-toa, sem trabalhar. Se ela concordar, quero montar uma industria de tutu de feijão, e espalhar pelo mundo. Nunca mais quero ver ninguém com vontade de comer tutu sem poder. O tutu da Dona Bene’ e’ a jóia mais rara da culinária Brasileira. Quero que o mundo saiba disso

   De certa maneira, aquela viagem mudou completamente as perspetivas do Pinto. Sabia que nunca mais ia ficar duro mas isto, ao invés de desanima-lo, o alegrava... Agora tinha certeza que poderia ajudar, dividir com os outros um pouco do que lhe tinha sido dado gratuita e inesperadamente. Não queria saber de ostentação ou luxo, mesmo morando em um apartamento de cobertura. Queria poder, todo dia, voltar `a Madureira, onde havia vivido toda sua vida, trabalhar em sua nova industria, que la’ construiria, fazer da simplicidade sua dádiva maior. Não queria acumular poder ou riquezas, muito menos tentar comprar tudo que via a sua frente

   Uma coisa aprendeu nas ultimas semanas, e principalmente na viagem que sempre quis realizar: quem tutu quer, tutu perde, mesmo que seja um simples Tutu de feijão.



Copyright 2013 Eugenio Colin
  
 

sábado, 8 de junho de 2013

O DILEMA DA CONQUISTA






                                                        O Dilema da Conquista




   Confesso que esta noite ao chegar em casa fiquei com pena da minha vizinha. Bem, a filha da vizinha que também e' minha vizinha.
   Estava toda jururu, sentada `a beira da calcada, triste, olhando para o chão. Quando me viu, acenou displicentemente, nem me olhou...
   Mas, eu sou esperto! Sei como tirar adolescente da fossa...
   Sem sequer entrar em casa, virei o carro, fui ate' o super mercado, comprei um embalagem de dois quilos de sorvete Galak e, voila'!
-  Pra mim? Perguntou Jeralda, tomando o sorvete da minha mão, com o maior sorriso.
-  Você não esperou a resposta. Eu disse. E se fosse pra mim?
-  Você não gosta de sorvete! Obrigada!
-  Vai la'! Trás uma taca e vem tomar sorvete enquanto me conta o que aconteceu agora. Falei.
   Enquanto tomava sorvete, sorrindo, me falava, chorando, que o Andre', aquele rapaz lindo pelo qual se apaixonara nem ligava para ela. Achava ate' que estava namorando outra menina.
-  Escreve um verso pra mim? Sempre que leio as bobagens que você escreve me sinto melhor.
   E' como se você estivesse me aconselhando contando piadas.
-  Vou entrar, tomar banho, te escrever e jogo o poema por cima do muro.

   Escrevi:

   Agora, ja' decidi'!
   Na vida vou dar um jeito,
   esquecer tudo que eu li'.
   Eu sei! O Andre' e' perfeito...

   O que fazer, eu pensei,
   pro seu amor conquistar?
   Mamãe, vem ca', eu falei,
   vem ca' pra me consolar...

   Namora alguem diferente,
   a minha mãe ponderou,
   e' assim que, dizem, a gente
   se esquece do que passou...

   Um dia, na outra rua
   eu vi' o Cid andando
   distraído, olhando pra lua,
   assobiando e cantando...

   Foi bom te encontrar, falou
   pegando na minha mão,
   você esta' onde estou,
   não sai do meu coração...

   La' em casa ele apareceu,
   tentando me namorar,
   ate' meu peito doeu
   ao meu amor lhe negar...

   Vai la' na casa da Lia,
   a minha amiga falou,
   a cartomante que um dia,
   da Zilda, a vida mudou...

   Esperançosa eu fiquei,
   agora eu vou dar certo,
   comigo argumentei,
   olhando pra Lia de perto...

   Aqui estou minha filha,
   disposta a te ajudar,
   te botar de volta na trilha,
   o amor do Andre' conquistar...

   Vou olhar para ele de perto,
   me mostra então o retrato,
   assim te digo, por certo,
   como vais conquistar o "gato"...

   Menina, pelo que vejo,
   na foto, prestando atenção,
   pra realizar teu desejo,
   vais ter que virar um "negão"...


   Mais tarde, mesmo assistindo televisão pude ouvir Jeralda gritar: "O Andre' não e' bicha não!"
   Sempre conquistei quem quis, nunca tive um "Dilema da conquista!...


Copyright 2013 Eugenio Colin

quarta-feira, 5 de junho de 2013

MILAGRE





                                                                 Milagre






   Milagre e’ um acontecimento extraordinário que, `a luz dos conhecimentos a nós disponíveis, da’-se de forma a sugerir uma violação das leis da natureza. Para grande parte dos teístas, sua realização e’ atribuída `a onipotência divina, sendo considerado como um ato de intervenção direta de Deus.
   `A luz da ciência moderna não há milagres verificados, ou seja, milagres não existem. Ora, se pudessem ser verificados, ou explicados, então não seriam extraordinários, inexplicáveis mas, apenas, um fato que, segundo `as leis da natureza, aconteceu...

   Fica a pergunta: Milagres existem ou não?

   Marculindo Traveiro era um sujeito admirável... No trabalho era querido por todos. Nunca, ninguém, em toda sua vida, tinha algo reprovável a dizer a seu respeito. Marc, era de boa paz, ouvia muito mais do que falava... Quando tinha que discordar de alguem começava dizendo: “Na minha opinião...”
   Minto! Havia uma pessoa que, ao contrário de qualquer humano, o detestava... Sua esposa, Maria Perfeito Malfeito. Para Mapema, seu apelido, Marc era o maior babaca que a humanidade poderia ter concebido. Para ela, seu marido era irrelevante, sem opinião própria, que concordava com tudo e nunca reclamava de nada.
   Um dia, chegou em casa com o pe’ todo enfaixado. Ao ser inquisitado sobre o que aconteceu, respondeu:
-  Dei a maior sorte hoje no trabalho... Tropecei em um bueiro aberto e quebrei dois
    dedos do pe’.
-   Seu idiota! Desde quando quebrar dois dedos do pe’ e’ ter sorte?
-   Desde quando eu não despenquei da escada do segundo andar, quebrei a bacia, a  
    perna, três dedos da mão, me ralei todo e ainda fiquei com uma puta dor na bunda  
    quando caí la’ em baixo, todo fodido...
    Este era Marc, um otimista exponencial...
    Para Mapema, esse tipo de atitude acabava com o seu dia. Segundo ela, seu marido deu azar e podia ter dado mais azar... Maneiras diferentes de encarar a vida!
  
    Mapema era alta, loira, olhos azuis, pele macia, dedos longos, unhas sempre bem manicuradas, pernas longas, sempre usando saltos altos... Feia que dava do’! Parecia uma tábua. Não tinha peito, não tinha bunda, tinha mal hálito, um chule’ horrível, talvez devido ao fato de detestar tomar banho.
-   Não saio de casa, não faço nada, não me sujo... P’ra que tomar banho? Ponderava
    vez por outra quando percebia que Marc fazia uma discreta careta, quando por ela
    passava, cruzando do banheiro para a cozinha, uma semana após o último banho de
    sua cara-metade.
    Mapema era o que podia-se chamar de cara de pau declarada...
    Uma vez, em uma festa de fim de ano no escritório onde seu marido trabalhava, deu em cima de um colega de Marc tão descaradamente que o mesmo, numa proverbial contrição humana, vociferou:
-  Acho que a senhora poderia ter um pouco mais de respeito por seu marido...
-  Por aquele babaca? Você esta’ com medo dele?
-  P’ra falar a verdade, estou com medo e’ da senhora...
   Meu filho! Isto aqui e’ uma máquina de prazer, se os botoes corretos forem 
   apertados...
-  Pode ate’ ser! O problema vai ser a senhora encontrar alguem que tenha a coragem 
   de querer verificar...
   E’ bem verdade que Marc não ere nenhum galã da novela das oito, nem aqueles que protagonizam porno-chanchadas nacionais mas, mantendo as mais ponderáveis perspetivas, era muito melhor do que sua esposa.

   Um dia, algum tempo depois de ter se recuperado da sorte que o fez manter seu pe’ enfaixado, chegou em casa triste e temporariamente deprimido...
-  O que aconteceu, quebrou os dedos do outo pe’? Indagou Mapema, com sarcasmo.
-  Não! Doutor Calado falou que ia fechar a empresa na Sexta-feira e hoje todos os  
    empregados foram demitidos. Respondeu.
-  Meu amigo, não vou nem esperar... Pega o que você puder levar e se manda agora. Se vou ter que
   trabalhar não vai ser para sustentar vagabundo. Disse sua esposa.
   Após algumas horas de argumentos, ponderações, reminiscências e ate’ parcas lágrimas resolveu que o melhor seria seguir sua vida ao invés de tentar voltar a água ao copo.

   Sem muito alarde, pegou seu carro, a mala de roupas que havia conseguido agrupar, e saiu... Dirigiu por alguns minutos `a esmo, sem direção. Acabou na Barra da Tijuca, sem saber porque, onde parou o carro no estacionamento de um hotel. Dormiu ali mesmo, mentalmente exaurido...
   Na manhã seguinte, depois do cafe’ da manha que degustou, ao lado dos que se hospedavam no mesmo hotel onde ele apenas estacionava o carro, sentou-se em um banco na calçada, bem de frente para a Avenida das Américas, coração do bairro.
   Olhava para os carros, apenas para se distrair, nem pensava em sua vida ou no próximo passo a ser vencido.
   Eram quase três horas da tarde quando ouviu uma explosão, seguida de uma freada que abruptamente o trouxe `a realidade. Colocando-se de pe’ instintivamente, pode reparar em uma mulher toda de preto, com chapéu e tudo, que parecia estar preparada para a cerimonia de casamento do ano, sair de dentro do carro. Olhava espantada, tentando concluir o que certamente havia ocorrido. Era evidente que aquela “moça” não sabia trocar pneu de carro, mesmo sem estar traumatizada como evidenciado.
-  Posso ajudar? Ofereceu Marc.
-  O pneu explodiu! Foi so’ o que a “senhora” conseguiu falar.
-  Deixa que eu resolvo. Acalmou ele.
-  Obrigada! Disse a “senhora”, assim que viu seu carro pronto para a estrada novamente.
 - Sem problema! Vai em paz...
   Marc voltou ao seu lugar, quase que automaticamente, como se aquilo tudo fizesse parte de uma rotina diária. `A noite, quando o movimento era quase esporádico, voltou ao seu carro, ainda estacionado no mesmo lugar... Quem sabe conseguiria dormir...

   O sol, que brilhava na moldura cromada do para brisa, acordou o benfeitor da desconhecida. Hoje, ligeiramente mais consciente, percebeu que não podia abrir mão daquele cafe’ da manhã “cinco estrelas” ja’ que, no dia anterior, havia sido sua única refeição.
   De pança cheia, ainda tentando pensar no que fazer, voltou ao mesmo banco que, de certa maneira, o havia acalmado anteriormente. Hoje porém, teria que começar a traçar o mapa de seus próximos passos. E’ claro que não poderia viver sentando naquele banco pelo resto da vida. As opções de trabalho, que por sua cabeça se sucediam, não eram muito promitentes... Artista de cinema? Meio complicado. Estivador do cais do porto? A estatura e o porte físico não ajudavam. Cabelereiro? Nem pensar! Empregado domestico? So’ se fosse para derrubar tudo e ser demitido no primeiro dia de trabalho por completa inaptidão. Alem do mais, com essa nova lei da domestica, vai ficar meio ruim de emprego...
   Garçom! Garçom da’ dinheiro... So’ não poderia trabalhar no estabelecimento onde estava “hospedado” no estacionamento por dois dias... Os “colegas” ate’ ja’ o chamavam de “doutor” ao servi-lo...
   Centenas de profissões desfilavam em sua mente sem que nenhuma, ate’ agora, houvesse recebido o selo de aprovação.
   Ainda pensava por quanto tempo poderia viver daquela maneira quando percebeu, vagamente, que alguem se aproximara e sentara a seu lado. Espontaneamente se moveu para o lado, procurando deixar mais espaço no banco.
-  Boa tarde, como vai? Ouviu... Lembra de mim?
-  Não! Ah! A senhora de ontem... Respondeu. E o carro, consertou o pneu?
-  Consertei! Muito obrigada! Você fui muito gentil...
-  Que e’ isso! Estamos aqui para ajudar uns aos outros, verdade?
-  Se todos pensassem assim!!! Estava a caminho de casa quando, tentando lembrar 
   de tua gentileza olhei para o lado e o avistei, sentado no mesmo lugar. Parei no
   estacionamento do shopping e vim te agradecer pessoalmente. Ontem estava tão  
   assustada que nem me lembrei...Desculpe me intrometer mas, você esta’ aqui desde
   ontem?
 - Estou! Respondeu Marc, meio desapontado.
 - O que houve? Gostaria de saber.
 - E’ uma longa história... Deixa p’ra la’!
 - Adoro histórias longas! Insistiu a “moça”...
-  Bem, digamos que estou, temporariamente, sem residencia...
-  Trabalho?
-  Sem trabalho também... Respondeu envergonhado.
-  Você tem condução?
-  Tenho! Meu carro esta’ estacionado aqui no hotel...
-  Vamos la’! Pega o teu carro, vamos ate’ o shopping, eu pego o meu e você me segue 
   ate’ a minha fábrica. E’ aqui pertinho, em Jacarepaguá. Hoje você dorme la’, amanhã
   vamos conversar a respeito do teu emprego. Estou precisando muito de ajuda...
 - A senhora nem me conhece...
 - Senhora? Tenho trinta e dois anos e você me chamada de “senhora” !? Vamos!
   Marc seguia `aquela estranha sem saber no que pensar. Sua mente estava vaga, ainda tentando verter os acontecimentos recentes.
   Ao chegar ao local, após uma viagem que durou apenas alguns minutos, Marc ficou surpreso com a sofisticação que encontrou. Pensava que iria encontrar uma fabrica de cachimbos ou agua-sanitária, ou parafusos, mas não aquilo que via. Na fachada, apenas o nome “Cappello” em letras purpuras, elevado em um enorme muro branco cintilante...
-  Que maravilha! foi o único comentário que ela ouviu.
 - Vem! Vou te mostrar onde você vai dormir... Estou de volta amanhã bem cedo para
   discutir seu trabalho...
-  Que loucura! A senhora nem me conhece...
-  Senhora? Novamente? Durma bem! amanhã de manha conversamos...
   Marculindo ainda não conseguira assimilar o que estava acontecendo... Apenas agradeceu sua sorte, em sua prece noturna e foi dormir.

   Eram seis e quarenta e cinco da manhã quando Alessa Donato, aquela Italiana alta, de cabelos vermelhos, olhos castanhos claros, sobrancelhas longas e arqueadas, lábios rosados, cujos pais haviam emigrado, de Nápoles para Minas Gerais, no tempo da guerra, chegou.
   Alguns minutos depois, Marc batia `a porta do escritório da “chefa”...
-  Bom dia! Tomei a liberdade de fazer cafe’ se a senhora não se importa. Disse Marc
   que, agora, vendo melhor, `a luz do dia, mal podia acreditar no que seus olhos revelavam...
 - Por favor! Senta aqui! Disse Alessa apontando para uma cadeira bem `a sua frente.
 - Meu nome e’ Alessa Donato! Muito prazer! Chega de me chamar de “senhora”...
 - Eu me chamo Marc! Quer dizer, Marculindo Traveiro mas, todos me chamam de   
   Marc, por motivos óbvios.
-  Marc, quero te ajudar mas, não posso prometer muito... Disse, ainda sorrindo. No momento, estou
   fazendo de tudo para  manter a fábrica funcionando. Ha’ anos nossas vendas vêm caindo
   drasticamente.
-  Bem, qual seria minha função?
-  Não sei ainda.
-  Dona Alessa, seria possível me explicar tudo sobre sua industria? Modus operandi e  
   tudo mais?
 - Marc, você esta’ curtindo comigo?
 - Desculpe! Alessa!
 - Aleluia! Finalmente! disse ela com mais um sorriso.
 - Você sabe o significado do teu nome? Perguntou Marc.
 - Não!
 - Bem, Alessa, significa Apaixonada e Donato significa Doado.
 - Você fala Italiano? Indagou Alessa.
 - Falo! Estudei na Itália, quando era jovem.
 - Acredite meu amigo... Nunca tive tempo de estar apaixonada... Meus pais faleceram
   quando eu era pequena. Comecei a trabalhar muito cedo, juntei algumas economias  
   e  decidi abrir meu negocio... Queria algo diferente. Quando menina, sempre gostei
   de chapéus, resolvi então fabrica-los. No início as coisas iam bem mas, com o tempo
   parece que as pessoas se cansaram de usar chapéu... Por outo lado, certamente não 
   terei nenhum problema em me “doar” `a pessoa certa.
 - E o que mais você fabrica? disse Marc, um pouco embarassado pela assertividade
   daquela linda mulher.
 - Nada! So’ chapéus!
 - Posso dar uma sugestão?
 - Claro!
 - Eu moro aqui, por algum tempo, tento te ajudar como puder, e não precisa me pagar.
   Quando a situação melhorar, voltamos a conversar. Que tal?
 - Mais generosidade? Disse Alessa.
 - Você não faz ideia de como ja’ me ajudou...

   Durante o dia inteiro Marc tentou aprender tudo sobre a empresa, desde a compra da matéria-prima ate’ a distribuição final do produto... Andava daqui p’ra li... Não falava  muito. Apenas observava, ouvia e pensava.

   No dia seguinte, `as sete da manhã ja’ estava de pe’, com um copo de cafe’ na mão e vários desenhos sobre a mesa da sala de reuniões. Ainda folheava alguns dos desenhos quando viu Alessa chegar.
   Ja’ com seu cafe’ a mão, escutava atentamente ao que seu novo empregado propunha...
 - Você dormiu esta noite? Indagou Alessa.
 - Muito pouco. Estava muito excitado com o mundo de possibilidades que encontrei 
   nessa empresa...
-  E eu pensei que estava falida...
-  Minha querida, estamos montados em uma mina de dinheiro...
   Pude observar ontem que esta industria e’ muito bem organizada. Os empregados
   são caprichosos e aparentam gostar do que fazem mas...
-  Ja’ sei! Produzimos algo obsoleto... Interveio Alessa.
-  Não! Pelo que pude ver o erro esta’ no marketing. Primeiro, acho que temos que diversificar.
   Penso que poderíamos ter tres linhas de produtos. Cappello di Testa, Cappello di
   Corpo e Cappello di Piedi
   Pense bem! Chapéu e’ algo que cobre, certo? Então vamos fabricar Chapéu para a
   cabeça, para o corpo e para os pés. Ou seja, chapéus, shorts e sandálias...
   Passamos a fabricar chapéus para mulheres e bonés para homens, dentro da linha
   Cappello di Testa. Shorts para meninas com dizeres: “Ne’ Pensare”, “Dall’altro lato”, 
   “Forse domani”, “Ai se potessi” impressos na parte de trás. Para homens, com
   dizeres como: “La cosa giusta” ou “Iniziare a correre” impresso na frente, dentro da
   linha Cappello di Corpo” e, sandálias com estampas variadas dentro da linha
   Cappello di Piedi.
   Ao invés de vender `as lojas, vamos colocar stands sofisticados e vamos consignar
   nossa mercadoria... Inclusive em alguns super mercados... Os preços devem ser bem
   acessíveis... Temos que basear nossos ganhos na quantidade...
 - E os investimentos? Perguntou Alessa.
 - Mínimo! Apenas vamos redistribuir os mesmos funcionários que ja’ trabalham aqui.
   Os desenhos eu mesmo faço, os contatos você ja’ tem...
 - O que mais gostei foi do teu entusiasmo. Ja’ se tornou parte de nós em tua mente. Comentou
   Alessa. Acho tudo ótimo! Devia ter furado aquele pneu a mais tempo...

   Em menos de três meses a situação da “Cappello” havia mudado completamente. As vendas aumentaram consideravelmente, principalmente devido `a implementação da loja virtual, agora responsável por quase oitenta por cento do faturamento.
   Marc praticamente havia dominado aquela empresa... Com sua maneira afável,jeito de bonacheirão, sua simpatia, sua maneira positiva de encarar imprevistos, havia criado um clima de otimismo contagiante.
   Alessa havia se tornado praticamente a tesoureira e secretária de sua própria empresa. Muitas vezes ate’ ficava surpresa ao se ouvir dizendo: “Não sei! Isto e’ com o Marc.”
  
 - Alessa! Disse Marc em uma daquelas noites... Você se importa se eu continuar  morando aqui?
   Sei que ja’ deveria ter mudado ha’ algum tempo mas, sinto que aqui e’ a minha casa... Nunca me
   senti tão bem em nenhum lugar que morei... Alem do mais, minha ex-esposa me mandou um
   e-mail ontem e eu dei este endereço para que ela mande os papéis do divórcio.
 - E’ claro que não! Respondeu Alessa. `As vezes eu penso como a vida e’ engraçada e  
   imprevisível... Como sempre, depois da tempestade vem a bonança... Jamais pensei que fosse
   encontrar a solução dos meus problemas aguardando por mim, sentado 
   em um banco, na rua.

   Diariamente, os dois ficavam ate’ tarde na fábrica. Parecia que ela não queria ir para casa... Ele, por sua vez, agora mais confiante havia ate’ arriscado uns olhares de cunho pessoal para sua “chefa”, sempre conjecturando em seguida: “O que uma mulher linda como essa vai querer com um baixinho, gordinho, quase careca, beirando os sessenta e, p’ra piorar tudo, duro... E’ bem verdade que a Sophia Loren também se apaixonou por um baixinho pançudo mas, isto e’ coisa de cinema... Jacarepaguá não e’ Roma...
   Algumas noites, na maioria delas a convite de Alessa, saiam para jantar juntos, inclusive no apartamento onde ela morava...
   O vento soprava de popa no destino daquela pequena empresa e nos dos que ela habitavam... Ha’ muito tempo, não conseguiam avistar horizontes tão promissores.

   Em menos de seis meses Marc havia conseguido mudar completamente o destino de todas aquelas vidas que dele dependiam. O que ele não sabia era que sua “chefa” estava começando a sentir ciúmes, principalmente quando ficava muito tempo la’ em baixo, conversando com as operárias que, de algum tempo para ca’, começaram a trabalhar de calças  justas, blusas entre-abertas e, maquiadas... Algumas ate’ com certo exagero

   Hoje, Alessa estava muito nervosa, desde que chegou para trabalhar. Olhando para Marc varias vezes, tentando encontrar o momento oportuno para a ele declarar seus sentimentos mais profundos, alguns dos quais extremamente pecaminosos e imorais... Iria propor que vivessem juntos. Queria confessar que nunca esperara tanto pela hora de trabalhar, que nunca sentia tanto a chegada da hora de ir para casa. Queria fazer do apartamento solitário e impessoal onde morava, o lar que, so’ agora, desde que conheceu aquele homem, pensava em construir...
-  Meu Deus... Fazei com que ele aceite! Pensava...


   Ta’ bom!
   Agora... Diz p’ra mim que não existe milagre...



Copyright 2013 Eugenio Colin

  






segunda-feira, 3 de junho de 2013

UMA HISTÓRIA DE AMOR




                                                      Uma História de Amor




   Lembra da Jeralda? Filha da minha vizinha... "Atacou" novamente!
   Ontem, chegando em casa, a vi plantada na porta da garagem. Assim que me viu fez sinais com o braço, como se estivesse tentando chamar a atenção da policia depois de ter sido assaltada por cinco bandidos armados ate' os dentes.
   Mesmo antes de ter o vidro da minha janela completamente abaixada, ela meteu o rosto dentro do carro, tão perto, que deu ate' para sentir o sabor do chicletes que nervosa e estardalhosamente mastigava... "Vem logo! Quero te contar as novidades..." Falou.
   Aprendi, ao longo da vida que, com adolescente não se discute. Faz logo o que querem e se livre do problema... E' claro que, se o adolescente for seu filho, ou filha, ai não e' bem assim.
   Mas, Jeralda e' apenas uma amiga, assim sendo, tudo fica mais simples... E' só dar um pouco de atenção, rir um pouco e aconselhar da melhor maneira possível, sabendo, de ante-mão que, antes de ouvir a terceira palavra, a primeira ja' estara' completamente esquecida...
   Alem de hipocondríaca descobri, e ate' já conversei com sua mãe a respeito, que a menina sofre de TDAH... Para se comunicar com Jeralda com sucesso, as frases não podem ter mais do que cinco palavras... Por exemplo; se ela ouvir: "Jeralda, por favor va' ate' a cozinha abra a porta direita do armário abaixo dos que ficam ao lado da geladeira e, na prateleira inferior, pegue um litro de leite desnatado, na prateleira logo acima o po' de canela e o milho e coloque na mesa ao lado do fogão, onde eu guardo o sal e o azeite, para que eu possa começar a preparar a canjica"... Vai voltar dizendo: "Não vi leite nem canjica na geladeira".

   Mas, o importante e' que fui ate' la' e a ouvi contar, com toda emoção reunida , que estava apaixonada... Me falava deste rapaz lindo, loiro, olhos azuis, modelo profissional, a "coisa" mais maravilhosa que ja' tinha encontrado... Havia sido a ela apresentado na noite anterior em uma boite, quando foi assistir a um show. Lembrou ate' que ja' o havia visto antes, não lembra onde.
   Depois de expressar minha opinião sincera a respeito de tudo, me despedi. Ainda pude observar sua alegria ao entrar em casa pulando alegremente, como quem esta' dançando o "bale' dos apaixonados".

   Hoje, escrevi este poema que vou colocar em um envelope, `a ela endereçado,  e depositar debaixo da porta de sua casa.


   Um dia andando na rua
   eu vi de orelha furada
   um cara, cintura ainda nua,
   camisa na barriga amarrada…

   Como e’ o seu nome, falei!
   Olhando p’raquela beleza.
   Andre’, em resposta escutei,
   irmão da Maria Tereza.

   Apaixonada fiquei!
   Na vida eu nada mais quero.
   Que homem lindo, pensei,
   ...Nós dois dançando um bolero…

   O tempo passava e o Andre’
   nenhuma atitude tomava,
   chorava por ele ate’,
   minha mãe e’ que me consolava…

   Comigo um dia encontrou
   n’um show em uma boite.
   Olhou p’ra mim, nem falou…
   Usava uma calca escarlate.

   Guardei a cena na mente
   pensando: que coisa esquisita…
   O Andre’ rebolando contente,
   exibindo sua traseira bonita…

   Então, dois meses mais tarde
   acordei de cara amassada,
   minha mãe fazendo alarde.
   Eu olhava e não via nada…

   Sentada em minha cama, mostrou
   um jornal que so’ tem artista,
   ainda assustada falou:
   Vem ver o que vi’ na revista…

   O Andre’! Apontou pra noticia,
   com a mesma calca na foto,
   beijando um negão da policia
   Em cima de uma moto…


Copyright 2013 Eugenio Colin