sexta-feira, 31 de maio de 2013

O PINTO E A XÍCARA



                                                      
                                                          O Pinto e a Xícara




    Em uma tarde de primavera, diante de olhares curiosos de amigas, depois de alguns meses de calor intenso, propositadamente fornecido pela mãe, em uma condição que muitos reprovariam, nascia o Pinto.
   Ele sempre teve uma infância feliz, aguçada pela curiosidade natural de todos os infantes em conhecer e explorar, muitas vezes ate’, muito alem de sua capacidade física ou de compreensão.
   Pintinho, como era chamado por sua mãe, gostava muito de brincar na mata. Não importava que a grama fosse alta, mal aparada, entrelaçada… Melhor ainda! Pintinho se divertia andando pelo caminho que ele mesmo abria, com sua cabecinha, com seu biquinho e ate’ com o auxilio de seus pelinhos inexperientes de quem esta’ apenas começando a viver, sem saber muito bem onde enfiar a cabeça com segurança e, assim evitar as consequências, possivelmente fatais, de uma exploracão afoita e mal pensada…
   Com o passar dos anos, Pintinho crescia, desenvolvia seus músculos, apurava sua forma e, aos poucos se transformava em um Pinto de verdade. Nunca acreditou que, mesmo crescendo e assumindo proporções mais avantajadas, para a surpresa de alguns, deixaria de ser um Pinto. Em sua mente nunca seria um galo, muito menos um galinha. Nasceu, cresceu, engordou, ficou forte, e tinha certeza que seria sempre um Pinto. E’ claro que agora, como todo Pinto que se preze, não teria medo, não encolheria na hora do desafio, não deixaria se intimidar em nenhuma situação, por mais cabeluda que fosse…
   Sem muitos amigos… Gostava muito de brincar consigo mesmo. Passava a maior parte do tempo p’ra cima e p’ra baixo, por horas a fio, muitas vezes segurando a cabecinha, acariciando aquela saliência que todo pinto possui… Eventualmente se cansava tanto com essas brincadeiras que, exaurido pela estafa, assistia, muitas vezes para o seu próprio espanto, seu suor ser expelido de sua cabeça com uma forca que ate’ a ele mesmo surpreendia.
   O tempo passava, o Pinto brincava, os ovos inchavam, a gala saia, e na mata escondia…
   Um dia curioso como sempre foi, explorando a mata na qual gostava tanto de brincar, encontrou uma Xícara que parecia estar abandonada, emborcada, seca, coberta de mata, dando a impressão que não era usada a muito tempo.
   A principio o Pinto não sabia do que se tratava, afinal, era a primeira vez em sua vida que via algo semelhante. Tentou entrar na Xícara com a pontinha de sua cabeça. Esfregava de um lado, bolinava do outro, tentou tanto que cansou e acabou ficando mole de tanta força infrutifera…
   Mas Pinto que se preze não se intimida por uma inaptidão passageira e temporária, pelo menos a maioria deles… Continuava a procurar entrar na Xícara de qualquer maneira, não desistiria! Mesmo que tivesse que ver sua cabeça completamente ferida depois de tanta fricção.
   Finalmente, depois de varias tentativas conseguiu atingir o interior. Entrava de vagar, com cuidado para não arranhar as suas paredes… Notou que a medida que entrava, a mata se abria e a Xícara o envolvia completamente, como se o estivesse engolindo, avida por ter algo dentro dela, o que jamais pensou ser possível, muito mais por estar emborcada, seca, empoeirada por tanto tempo.
   Finalmente, depois de muitas horas de exploracão, para frente e para traz, no interior daquela Xícara que, delirantemente descobriu e que o agradava tanto, cansado pelo prazer, cego pela emoção, não conseguiu mais conter o suor que o cobria e deixou que este escapasse com forca, umedecendo seu corpo, lubrificando o interior da Xícara, inundando a escuridão.
   Pinto estava irremediavelmente feliz. Nunca havia visto algo tão interessante, tão adequado, tão providencial… Com carinho, limpou a Xícara, aparou a mata que cobria o local por onde devia entrar para gozar dos prazeres que o abrigo de uma boa Xícara pode oferecer a seu pinto preferido e exclusivo, e dali fez sua morada permanente.
   Pelo que se sabe, Pinto passou a morar dentro da Xícara, de onde nunca mais saiu desde a primeira vez que a descobriu, abandonada pelos que por ela passaram e não lhe deram a importância que  merecia; relegada pelos que tentaram apenas se saciar do que ela tao desprendidamente oferecia, desesperançada de encontrar alguem que com ela se importasse, que lhe oferecesse carinho e proteção, alguem que cuidasse do seu interior com o mesmo prazer que gratuitamente recebia.
   Hoje, um Pinto robusto e sadio, ele abandonou as brincadeiras de criança, as exploracões de quando ainda era jovem e, passou a se dedicar inteiramente `a sua Xícara querida e, a única coisa que lhe da’ prazer e’ com ela brincar de casinha.

   Os exemplos mais vivos de como uma descoberta fortuita e inesperada pode se tornar o acontecimento mais importante, jamais sonhado estão no Pinto e a Xícara...


Copyright 2013 Eugenio Colin

segunda-feira, 27 de maio de 2013

A RECEITA




                                                             A Receita
 


   Minha vizinha tem três herdeiros. Os dois maiores são casados e ja' tem filhos... A mais nova... Tem dezenove anos, não estuda, dorme o dia inteiro e, `a noite assalta a geladeira sem pena e com voracidade. Ao nascer do novo dia, quando ja' esta' dormindo novamente, a pia da cozinha amanhece cheia de pratos, copos, talheres... Tudo que foi usado no banquete noturno. Quando a mãe a critica, responde que esta' "aproveitando a juventude".

   Nos damos muito bem... Apesar de tudo, ela e' uma boa menina. Alegre, feliz, muito engraçada... Vez por outra, me chama para conversar sentados ao meio-fio da calcada. Me pede conselhos, reclama que não tem namorado...Diz que eu a entendo.
   De vez em quando escrevo poemas para ela, relacionados com o acontecimento, ou a reclamação do momento... Ela ri das criticas que lhe faco.
   Hipocondríaca no mais amplo sentido, um dia, a mãe me chamou correndo porque Jeralda (isso mesmo! Jeralda com J) estava com muita falta de ar... Como bom medico, que não sou, fui visita-la para saber do que se tratava...
   - Estou com muita dor no peito. Não consigo respirar. Me disse.
   - O que mais você esta' sentindo? Indaguei...
   - Você acha pouco? Respondeu.
   Olhei para ela e vi que não tinha absolutamente nada mas, por via das duvidas, voltei com meu aparelho de medir pressão e um termômetro...
   Temperatura normal. Pressão melhor do que qualquer atleta profissional, rosto corado e sadio, semblante triste como o de quem esta' louco por um pouco de atenção...
   - Fica tranquila, vou te dar um remédio, que uso quando estou me sentindo assim e você vai ficar
      boa em um instante. Simpatizei.
   Fui em casa, coloquei uma colher de sal e uma de açúcar em copo d'água e voltei.
   - Toma! Bebe de vagar, respirando entre os goles e fica deitada por quinze minutos. Vou medir tua
     pressão a cada cinco minutos para monitorar o efeito do remédio.
   Perfeito! Em quinze minutos estava se sentindo melhor do que nunca, segundo suas próprias palavras.

   No dia seguinte voltei `a sua casa com a receita...
                     
   Falei p’ra mamãe
   estou depressiva.
   Eu estava tao bem,
   alegre a ativa...

   Meu peito doendo,
   meu braco manchado,
   nariz escorrendo,
   ninguém ao meu lado...

   O Lucas ligou...
   Vem aqui minha amiga!
   Agora eu não vou,
   estou meia perdida...

   So’ quero ficar
   na cama, deitada.
   Vem você me chamar
   p’ra sentar na calcada!!!

   Um dia `a tarde
   minha mãe me chamou
   sem muito alarde
   ao medico eu vou...
   O doutor me olhou
   de cima a baixo,
   depois me falou
   contrito, cabisbaixo...

   Minha filha, te digo,
   com toda certeza
   o que acontece contigo,
   vejo aqui com clareza...

   Te escrevo a receita
   que vai te curar,
   te fazer mais perfeita,
   tua vida mudar...

   De manha TABEFLEX
   logo ao acordar.
   Vai te deixar alerta
   ate’ o jantar...

   `A noite, ao dormir,
   CHINELOX receito.
   Vai te fazer sentir
   em um mundo bem-feito...

Copyright 2013 Eugenio Colin

   




 

sexta-feira, 24 de maio de 2013

ZE' RAPOSO E AS CURVAS...

                                            







                                                 Ze' Raposo e as Curvas









   Antonio Almeida Santos Andrade das Graças Conceição Maria Raposo, era mais conhecido por seus amigos e colegas de trabalho como “ Ze’ Raposo”.
   Tanto nome e foi apelidado pelo último, precedido por um “Ze’“, que não tinha nada a ver com aquele monte de nomes que carregava em sua Identidade.
   Mas ele não se importava... Estava tão acostumado que muitas vezes atendia so’ por “Ze’ “...
   - O Ze’ , ouvia...
   - Fala Marinaldo!... respondia.
   Para ele, todo mundo se chamava Marinaldo. Talvez como uma vingança, quem sabe...
   O fato e’ que era muito querido e respeitado por seus amigos e colegas que, como ele, passavam a maior parte do dia no “Guardião do seu Bolso”, o supermercado onde trabalhava. Ze’ Raposo era, possivelmente o único homem que possuia mais de um estado civil. Era divorciado, porque se separou da esposa. Viuvo, porque ela havia falecido no meio de um concurso numa quermesse, em sua cidade natal, quando tentava bater o recorde de comer cinco melancias em quinze minutos e, solteiro, porque era muito mais facil se declarar solteiro do que ter que explicar toda aquela história.

   Depois de divorciado, ou viuvo, ou solteiro, nunca teve uma namorada. Quando se separou, decidiu que a próxima namorada tinha que ser cheia de curvas, talvez para ajudar a se esquecer de sua ex-mulher que mais parecia uma reta quilométrica de uma estrada interestadual. “Não quero ver uma puta de uma linha reta no corpo da minha namorada... Ela vai ter que se parecer com a estrada de Santos: Aclives, declives e cheia de curvas”. Disse várias vezes...
   Apesar de ter trinta e cinco anos de idade, so’ olhava para mulher com mais de cinquenta e cinco. Ate’ aí, tudo bem... O problema e’ que, além de ser madura e experiente, ele queria que aparentassem, e se comportassem como “piriguetes”. Aí o negócio pegava... Tinham que se comportar como piriguetes mas deveriam ter carácter e valores morais irrefutáveis... O Ze’ era um cara complicado!
   Mas era calmo, determinado, assertivo... Achava que, mesmo que morresse solteiro, não tinha problema. Ja’ havia experimentado os prazeres da carne. Agora era a hora do amor, alem da sacanagem, e’ claro...
   Houve ate’ a história da Martha Maria Murtinho, a “3M” como era apelidada.
   A pobre da menina tinha dezoito anos, loira, olhos azuis, corpo escultural, mais perecia uma modelo internacional do que uma caixa de supermercado que caiu na besteira, ninguem sabe porque, de se apaixonar doidamente pelo Raposo. Chegava ate’ ao cúmulo de trazer de casa, para o almoço, sopa de jilo’ com maxixe, batata baroa e quiabo, so’ porque sabia que o seu “amor” gostava, fazendo questão de dividir com ele. O Ze’ comia a sopa mas, dispensava a menina, quando a grande maioria dos mortais faria exatamente o oposto.
   “3M” sofreu tanto que acabou se demitindo quando chegou `a conclusão que naquele mato ela não ia ver a cobra... E justamente quando havia sido eleita a “empregda do mês”. Nimguem entendeu sua atitude, apenas seu coração dorido e dilacerado de mágoa, ressumbrado por aquela dor acuminada.

   Ze’ Raposo ficou triste com a partida de sua colega... Quando ouviu dizer “ - Nunca mais, na tua vida, você vai ter sopa igual a essa “, ele respondia: “- E’ mesmo! E eu nem pedi a receita”...
   Alguns até ponderavam se Raposo era ingénuo ou babaca.

   O fato e’ que a vida seguia no “Guardião do seu Bolso”. Nada mudava muito naquele dia-a-dia. E’ bem verdade que de vez em quando uma das “caixas” queria dar porrada em um cliente mal educado, criador de caso mas, acabava se acalmando quando ouvia: “- Calma Ofélia! O Cliente tem sempre razão...”
   “- Um dia ainda mato um desses filho da puta!”  era quase sempre murmurado mentalmente, em resposta.

   Finalmente dia primeiro de Maio chegou. Dia memorável, o “Guardião do seu Bolso” ia fechar ao meio-dia, coisa rara de acontecer...
   Naquela manhã Ze’ chegou ao trabalho alguns minutos mais tarde. Claro que não estava atrazado. Apenas alguns minutos após  `a meia-hora antecipada.
   Assim que adentrou o estabelecimento. Pode notar uma aglomeração incomum ao redor da caixa 3. Como todo curioso, foi ao local para “conferir”.
   Assim que pode se aproximar e meter a cabeça por baixo do sovaco de seu colega “Mignon”, um Francês com mais de dois metros de altura que trabalhava no açougue, pode ver, para sua perplexidade, uma mulata, de olhos verdes, cabelos negros e lisos, em uma mini-saia, com a blusa do uniforme que parcamente era mantida abotoada sobre seus seios, com o sorriso mais lindo que jamais havia testemunhado... Reparando melhor `aquele rosto angelical pode notar, abaixo dos olhos, em volta do pescoço e nas costas das mãos que gesticulavam afabilidosamente, rugas cuidadosamente cobertas por uma maquiagem impecável.
   O Ze’ nao podia acreditar... So’ faltava aquela coroa ser safadinha do jeito que ele sonhava...  Mas, ele era cabra esperto. Se tentasse uma aproximação imediata, seria apenas mais uma boca babando em volta da carne fresca. Além do mais, ele nunca poderia deixar de ser notado, ou pelo menos ouvido, dentro do supermercado, ja’ que, seu trabalho era de anunciar, o dia inteiro, microfone na mão, as promoções do momento...
   “- Senhores e senhoras, não deixem de visitar a nossa seção de pescados e apreciar Pirarucu fresquinho, tirado agora, o Barracuda Filha, novinho, fresquinho, limpinho, pronto para comer”... Coisas desse tipo...
   O Ze’ tambem era uma espécie de auxiliar de gerencia. Quando a coisa esquentava ele chegava e jogava agua fria. Uma vez, a caminho do banheiro, morto de vontade de fazer xixi, chegou bem na hora em que Chica Bolacha ja’ estava com o braço no alto, punho cerrado, pronta para dar uma porrada na cara da Guilhermina que, se pegasse, talvez a introduzisse dentro do vaso sanitário, so’ porque esta, havia percebido e avisado, que aquela, estava com uma mancha marrom na parte de trás de sua calcinha. So’ teve tempo de ouvir a conclusão da frase: “ Cagada ta’ tua mãe, sua filha da puta”, segurar o punho da pretensa agressora e, quem sabe, devido ao esforço, ja’ que ela era manequim “+plus-size”, se mijar todo, concomitantemente emitindo sons similares a rufar de tambores que, aparentemente nada tinham a ver com o motivo que o havia levado a tentar usar o banheiro. O importante e’ que, as duas acabram saindo do local `as gargalhadas, de braços dados, espalhando para todo o supermercado que Ze’ Raposo estava na porta do banheiro, todo mijado, peidando que nem cabrito...
   Ninguem sabia como, mas ele sempre resolvia os piores problemas, mesmo que involuntariamente.

   Um dia, algumas semanas depois de ter visto pela primeira vez Maria Januária Quitéria do Rosário, nome daquela linda baiana do caixa 3, quando saia do banheiro, desta vez sem imprevistos, notou, assim que segurou o microfone, por ele esperando calmamente deitado acima do balcão da recepção, que o objeto de seu mais recente afeto, se movia em sua direção... O Ze’, cabra malandro e experiente, nem titubeou, ensaiou uma cara de quem esta’ cagando p’ro mundo. Chegou ate' a olhar para Januária de sobrolho...
-  Oi tudo bem! Disse ela, estendendo a mão afavelmente.
-  Tudo Bem! Respondeu Ze’ Raposo com tibiesa mas com acatamento, lenta e propositadamente transformando seu semblante de indiferente para acolhedor, retribuindo o gesto amical enquanto segurava, na sua, aquela mão morena, macia e bem cuidada.
-  Ouço sempre você pelos alto-falantes mas nunca tivemos oportunidade de conversar. Disse Mujinha (seu novo apelido) enquanto cumprimentava o colega, fazendo sua “antena” ficar ligada so’ com um aperto de mão. - Sua voz e’ muito bonita! Finalizou...
- Obrigado! Gentileza sua... Respondeu.
   Agora Raposo estava começando a ficar emcabulado... Não conseguia tirar os olhos dos peitos da colega mas, ela parecia não se importar. Em dado momento ate’ desabotuou um pouco mais a sua blusa... Seu colega olhava para aquilo tudo como se estivesse esperando o momento em que ela fosse explodir. So’ pedia aos orixás que tivesse tempo de poder pegar um pedacinho, quando o aparentemente inevitavel acontecesse.
   Dias depois, Mujinha estava na hora do seu almoço e convidou seu colega para acompanha-la ate’ o refeitorio. “Esta’ ficando bom!” Pensava Raposo enquanto andava atrás dela, rumo ao destino. Olhava para “aquilo tudo” e via cachos de uvas `a sua frente. Madurinhos, docinhos, que certamente o refrescariam... Se comidos, e’ claro... Enquanto ela andava, seu colega pensava estar vendo o vento balançando aquele monte de delicias que ja’ havia algum tempo pensava em degustar. Chegou ate’, em dado momento, inclinar a cabeça, possivelmente procurando achar um novo ângulo para poder apreciar todas aquelas uvas que se moviam `a sua frente. Se via como um carro, deslizando suavemente por todas aquelas curvas que inevitavelmente o levaria ao “tunel do amor”.
- Voce gosta de comida baiana? perguntou Mujinha assim que sentou `a mesa. Hoje eu troxe
   arrubacão, acarajé, abará e um pouquinho de munguzá de sobremesa...
- O único que conheco e’ acarajé... E’ muito gostoso...
  A conversa decorria amigavelmente, perfumada pelo cheiro forte do tempero baiano.  
  Assim que terminou sua refeição, meteu a mão na bolsa, `a procura de algo. Saiu de la’ com um maço de cigarros na mao, perguntando se era permitido fumar no refeitório.
   Pronto! Era so’ o que faltava! A coisa que Raposo mais gostava no mundo era beijar boca de mulher fedida de cigarro... Pronto! Agora ele estava realmente, perdidamente, irremediavelmente, loucamente, apaixonado por aquela coroa que ouviu dizer tinha sessenta e um anos mas não aparentava nem quarenta... Se ela fosse safada então...
Jeito de piriguete ela tinha...

   Os dias se passavam... Ze’ Raposo e Mujinha estavam cada vez mais próximos. Porem, eram discretos... Ao contrário do que havia acontecido com 3M, desta vez ninguém percebeu que nutriam interesses concomitantes... Uma vez, durante um intervalo, na hora do almoço, Raposo chegou ate’ a dar uma cheirada profunda no cangote de Mujinha que, quando sentiu o fungado, ate’ chegou mais para trás, encostando todas as suas curvas na “alavanca de marchas” do Ze’. E’ claro que ninguém viu... Mas ele “mudou de marcha” instintivamente...

   Prezados clientes, hoje e’ Sabado, e Sabado e’ dia de Piranha em nosso estabelecimento... Vamos la’! Podem comer `a vontade, nosso supermercado esta’ cheio de Piranha... Nem precisa levar para casa. Coma aqui mesmo! Tem Piranha para todos os gostos... Tem Piranha Frita, Piranha ao Molho, Piranha com Legumes, Rabo de Piranha no pauzinho... Em nossa seção de comidas prontas, hoje e’ o Dia das Piranhas... Anunciava Ze’ Raposo, com sua voz aveludada, pelo serviço de som da loja.
   Bolacha na cara! Meus amigos, prestem muita atenção... Hoje tem bolacha na sua cara p’ra quem quizer... Em todas as nossa alas temos bolachas da marca Carinhosa, as melhores do Brasil, bem `a sua vista... Temos de Agua e Sal, Salgadinha, Presunto e Queijo.... Estão penduradas bem ao seu alcance. Não tem como deixar de ver... Lembre-se, leve uma antes de chegar aos caixas...
   O dia inteiro Ze’ Raposo fazia anuncio das promoções, sem parar, sem descanso...
   Em um intervalo, logo após ter argumentado sobre as maravilhas do Sabão Caca’, sentado em uma cadeira do refeitorio, copo d’água `a sua frente para refrescar a garganta, viu, com certa surpresa, a porta se abrir abruptamente e a figura esbelta e tentadora de Mujinha entrar e se dirigir rapidamente em sua direção. Chegou bem perto, se ajoelhou no chao, segurou a mão direita do Ze’ e a colocou dentro de seus seios dizendo, com aquele sotaque que ele ja’ estava começando se acostumar a ouvir:   - Não se avexe não! Mas, por favor, vamos embora juntos hoje... Tô retada, tô molhada desde que cheguei e ouvi voce anunciar que ia dar bolacha na cara de todo mundo.
   Fui com certa surpresa que Ze’ Raposo ouviu aquilo tudo, quieto, sem dar uma palavra...
   E’ claro que sairam juntos... Desta vez porem, os dois estavam cagando para quem visse ou comentasse alguma coisa...

   Chegou segunda feira. Como sempre, na hora certa, quer dizer, meia hora antes da hora, la’ estava o Raposo, muito depois, quase atrazada, chegava Mujinha...
   Olinda Cabrita, uma baixinha muito observadora que trabalhava na recepção, notou que, naquela manhã, Ze’ estava andando meio curvado e, de vez em quando, colocando a mão nos ovos, enquanto, Mujinha estava trabalhando de pe’ e com as pernas meio abertas. Muito estranho! Pensava...
   Não se sabe como, pela hora do almoço, todo mundo no Guardião do seu Bolso comentava que Mujinha estava gravida, mesmo com sessenta e um anos, e que o pai era o Ze’ Raposo...
   Foi para o espanto de todos, incluindo os clientes que estavam no estabelecimento que, dias depois,  Ze’ pegou o microfone e disse: - Meu amor! Mujinha, meu amor! Não consigo mais viver so’... Quero que você me dê a honra de ser minha esposa... Terminando a proposta `a frente do caixa onde ela estava, ajoelhado, mãos postas segurando o microfone.
   Ao ouvir aquilo, assustada, saiu correndo para o refeitório...
   Todo mundo parou! Silencio total! Ze’ Raposo, com cara de babaca, sem entender o que havia acontecido olhava para todos que também olhavam para ele.
   Calmamente se levantou, colocou o microfone que ainda segura sobre o balcão da recepção, quando por la’ passou, e se dirigiu ao refeitório...
   - O que aconteceu? Perguntou `a sua amada. Pensei que você gostasse de mim...
   - Eu gosto de você! Mas não para casar... Eu ja’ tive a minha vida, ja’ fui casada... Gosto de você p’ra uma trepadinha porreta como a desse final de semana... Gosto de ficar toda inchada, gosto de sacanice mas não quero ter compromisso. Além do mais, és vinte anos mais novo do que eu. Em alguns anos isso vai ser um problema...
   - Não quer pensar um pouco? Por favor! Pense por alguns dias...
   - Não tem o que pensar... Isso ja’ aconteceu antes e minha decisão foi a mesma.
   - Não te entendo! Pensei que eu fosse diferente...Murmurou Ze’ Raposo, completamente derrotado, triste...

   Ele deu uma ultima olhada para sua companheira e deixou a sala cabisbaixo. Ao sair, olhou para a colega da recepção, não disse nada e foi embora.
   O clima estava tenso... Olhavam-se uns aos outros sem saber o que dizer, ou fazer... Assim que voltou de onde estava, Mujinha procurou o gerente e se demitiu, ali mesmo, sem justificativa.
    Era como se uma bomba houvesse explodido ou, como se estivessem paralizados pelos gazes emitidos por clientes que haviam comido a Feijoada da semana passada.
    O dia foi longo e triste, sem a voz do Ze’ Raposo ao microfone.

   Na manha seguinte, ao voltar p’ro trabalho, estava desapontado, triste, sizudo...
   Ao pedirem esclarecimentos, Ze’, envergonhado por ter sido desprezado, espezinhado, jogado ao lixo, sem saber o que fazer, apenas disse, tentando disfarçar a dor mais aguda que jamais sentiu: Foi uma brincadeira de mal gosto... So’ queria curtir com a cara dela...

   Moral da história:     Aqueles que são incapazes de atingir sua própria meta tendem a depreciá- 
                                    la, para diminuir o peso de seu insucesso.
                                    É fácil desprezar aquilo que não se pode alcançar.
                            ou:   Se não fosse burro, tava comendo a 3M ate’ hoje. Tinha ate' sopinha de
                                    Jilo’ com maxixe, batata baroa e quiabo de sobremesa...






Copyright 2013 Eugenio Colin