sexta-feira, 23 de agosto de 2013

MELHOR DO QUE NADA!






                                                     Melhor do que nada!







   Ontem, em um programa de televisão, assisti a entrevista de uma famosa atriz Americana das décadas de quarenta e cinquenta, reminiscendo a respeito de seu casamento com um, também muito famoso, ator (na época, o mais importante de Hollywood). Ela tinha apenas vinte anos de idade, ele quarenta e seis, uma enorme diferença, especialmente naqueles dias quando, costumes e padrões morais eram mais rígidos do que atualmente.
   Esta atriz era muito bonita e, apesar de muito jovem, ja’ era cobiçada por todos os homens. Ele, embora um dos mais famosos da época, certamente não era o mais bonito, ou o mais idolatrado pelas mocinhas, embora possuísse um carisma impar.
   Quando esta atriz o pediu em casamento, ele ficou chocado. E’ claro que apreciava a jovem atriz, ja’ haviam ate’ trabalhados juntos em alguns filmes, conversavam muito, eram amigos mas, sua admiração parava ai’. Nunca pensou que seria possível te-la como esposa.
   Ela ficou desconcertada quando seu pedido não foi aceito imediatamente. Talvez, ate’ um pouco de seu orgulho tenha sido ferido.
   Ele, disse a atriz ao entrevistador, havia confessado meses mais tarde que, pela primeira vez em sua vida não sabia o que fazer. Gostava daquela atriz mas, achava que a diferença de idade entre eles era muito grande.
   Conversando sobre suas indecisões com um outro ator, amigo de ambos, este perguntou: “Quantos anos você acha que viveriam sem problemas, ate’ que esta diferença de idade começasse a interferir em suas vidas?” “Talvez uns cinco anos!” Respondeu ao amigo. Este então retrucou: “Cinco anos e’ melhor do que nada, não acha?”
   Os dois se casaram e viveram felizes por onze anos, ate 1957, quando ele faleceu.

   Esta entrevista então me lembrou a historia de meu amigo Élio e Sheila, sua namorada por quatro dias pessoalmente e dois meses “epistolarmente”.

   Sheila conheceu meu amigo através de um site de seminários literários que ele participava. Ali, poemas eram escritos e a discussão sobre as obras aberta ao publico. Duas vezes por semana ela mandava comentários, elogios, opiniões e ate’ pedidos para poemas a respeito de um determinado tema.
   Estava tao eufórica a respeito daquele homem que acabou, primeiro descobrindo seu telefone para contato e, apos algumas conversas, praticamente o “intimando” a visita-la na cidade onde residia.
   Sheila residia no Brasil, ele, nos Estados Unidos.
   Élio atendeu ao “pedido” de conhece-la, sem muitas pretensões ou esperanças mas, acabou com uma opinião favorável a respeito dela. Sheila era inteligente, muito afável, educada, interessante, apesar de sexualmente reprimida ao extremo, o que foi descoberto no primeiro dia do encontro...
   Essa característica so’ não era obvia para ela... “Jamais faria isso!” era a maneira que ela encontrava para indicar sua preferência sexual (“tara” em Português claro), em dado momento...
   Élio era um homem experiente. Naquela época estava com sessenta e cinco anos, embora aparentasse menos de cinquenta. Extremamente educado, gentil, considerado, parecia que havia estudado para ser um cavalheiro. Ouvia, prestava atenção, entendia o psique das mulheres, tinha bom gosto, sabia agradar sendo genuíno.
   Naqueles quatro dias Sheila conseguiu “botar pra fora” toda sua vida de repressões sexuais. Estava perdidamente apaixonada como ela mesma havia confessado... Mas, havia um problema. Sério! Ela tinha apenas quarenta e quatro anos...
   Você tem a idade da minha mãe! Disse uma vez, aos prantos, em uma conversa telefônica.
   Era visível, mesmo `a distancia, mesmo ao telefone, que ela sabia o que queria mas, temia de que maneira sua família, ou a sociedade em geral, reagiria diante daquela situação. Reação tipica de uma pessoa reprimida... Mais uma prova clara de como toda sua vida tinha sido manipulada por regras, normas e tabus que na maioria dos casos so’ se aplica ao alheio.
   No dia do aniversário de Élio, em uma conversa ao telefone disse: “Voce não foi, não e’ e nunca sera’ prioridade em minha vida”. Ele ainda tentou procurar saber de onde vinha aquela afirmacão meio aleatória, ao que ela respondeu: “Do fundo da minha alma.”
   Foi a ultima vez em que conversaram...

   E’ claro que meu amigo ficou triste, chocado... Não havia recebido o melhor presente que dela podia esperar mas, mesmo triste, mesmo desapontado, mesmo ferido, seguiu sua vida.
   Talvez para fugir do ambiente que no momento se associava com tristeza e desapontamento, resolveu passar uns dias na Itália. Sempre teve vontade de conhecer `a Europa mas nunca tivera tido a chance.
   Mesmo nos pouco tempo em que estiveram “juntos” ja’ haviam feito planos... Assim sendo, trazendo com ele para aquela viagem as mesmas tristezas das quais estava tentando fugir.
   Verona, local escolhido para a primeira parada no país, não merecia ser visitada com tanta tristeza como aquela que aparantemente carregara em sua “bagagem”.
   Embora tentando seguir sua vida na maior normalidade possível, nada era normal. Estava em um local estranho, sem amigos, sem namorada, sem ânimo, com uma puta dor de cotovelo... Nada bom!
   E’ claro que não deveria ter vindo... Como pensara varias vezes mas, agora não tinha jeito. A alternativa era tentar fazer o melhor do pior. Se e’ que, estar na Itália, visitando locais históricos maravilhosos, cheio de Italianas, que para ele sorriam a todo momento, doidas para levar um amasso, pode ser considerado “o pior”.
   De Verona, foi para Roma. Aparentemente, a mudança de ares melhorou um pouco seu estado de espirito... Como qualquer turista, de qualquer parte do mundo, que chega em Roma, visitar o Coliseu esta’ no topo da lista. Tentou! Não conseguiu! Assim que chegou perto dos arcos, sentiu um mal estar inexplicável. Um ambiente pesado e triste... Saiu dali o mais rápido possível. De longe admirava a maravilha arquitetonica embora a ideia `a qual aquela construção se propusera o repugnava.
   So’ em Roma pode apreciar as delicias culinárias da Itália, embora, o que mais o agradava era sentar em uma mesa de calcada de um bar e, degustando vinho enquanto beliscava pão com “dip” de azeite e especiarias locais, observando aos movimentos das pessoas que por ali passavam, tentando adivinhar suas historias. De onde vinham, para onde iam... Alguns conversavam alegremente com amigos, outros, sozinhos mostravam sinais de tristeza ou preocupação... Tantos, falavam ao telefone, marcando um encontro que talvez durasse apenas algumas horas ou aquela noite ou, procurando um membro da família que não haviam conseguido contactar durante o dia... Élio, como escritor, aprendera a prestar atencao `a reacoes pessoais, imaginar diálogos, tentar penetrar no íntimos daquelas almas ou, quem sabe, emanar alguma inspiração para uma nova historia que alguem, porventura, deixasse escapar de seus pensamentos.
   Seu segundo dia em Roma foi um pouco melhor. Estava mais conformado... Sabia que não podia controlar seu destino, se este estivesse, momentaneamente dependente  dos sentimentos de outra pessoa.
   Naquela noite, ao sair do hotel, foi informado que havia um bar, não longe dali, que oferecia musica ao vivo. Gostava de musica Italiana, estava entre suas preferidas...
   Ao chegar ao local, ficou surpreso... Aquele “bar” nada mais era do que um night club estilo Americano. No palco, um pianista, baterista, um guitarrista, pistonista e, do outro lado do palco, um órgão. Sem musico, abandonado, relegado ao ostracismo... A musica, de boa qualidade o agradava. Seus olhos porem, não saiam daquele instrumento mesmo sem uso naquela noite. Élio, alem de escritor, era também musico. Tocava órgão, piano e harmônica.
   Depois de alguns minutos, em um intervalo, quando os músicos possivelmente descansariam um pouco, se dirigiu ao gerente e indagou se podia tocar um pouco. Este  o apresentou ao pianista, responsável pelo grupo que, embora fosse Italiano vivera nos Estados Unidos por muitos anos o que facilitou enormemente sua comunicação.
   Élio sentou-se ao órgão e começou a “brincar um pouco” alguns acordes soltos come se estivesse se “aquecendo” para sua apresentação. Aos poucos começou a tocar alguns standards americanos, musicas que o acompanharam em sua infância e que ate’ hoje o faziam companhia, principalmente em horas como as que naqueles dias vivia.
   Estava tao embebido em seu próprio êxtase que nem percebeu os músicos que antes tocavam, `a sua volta. A pedido do pianista concordou, naquela noite, fazer parte do grupo que alguns minutos antes admirava.
   Musica, assim como literatura, tinham um efeito catalizador em meu amigo. Conseguia transferir para o papel ou para as teclas os mais íntimos e profundos sentimentos que o envolvia em determinado momento. Assim aconteceu `aquela noite. A audiência não poderia ter sido mais receptiva. A incorporação de um organista havia sido o “chantily do bolo”.
   No final da noite, o chefe dos músicos o convidou para, se concordasse, fazer parte daquele grupo, enquanto estivesse em Roma.
   Nada melhor para ocupar e transferir os pensamentos de Élio. Mais um dia, tocando no bar, e decidiu permanecer em Roma pelo resto de suas “ferias” ao invés de visitar outras cidades.
   Praticamente fazia parte daquele grupo. Por dias tocava ali todas as noites. No ultimo dia antes de sua volta para a América, ao se despedir, o pianista pediu que ele o aguardasse por alguns minutos. Ao voltar, ofereceu a Élio uma posição permanente, se assim o desejasse, agora, como um musico contratado, com salario... Ele olhou para o pianista, olhou para o órgão, cocou a cabeça, pensou um pouco, e aceitou o convite, pelo menos temporariamente, como explicou.
   New York, New York, o nome daquele bar, começou a ver suas mesas lotadas, cenário completamente inverso ao que meses atrás quase havia obrigado ao dono daquele bar encerrar suas atividades. Por acaso, haviam encontrado a solução que vinham procurando ha’ anos. Aos poucos outros músicos passaram a visitar aquele local, tocar um pouco, cantar um pouco, conversar, trocar ideias, socializar com outros amantes da musica Americana, ali tao bem representada por aqueles músicos, um Italiano, um Frances, um Alemão, um Espanhol e Élio, meu amigo Brasileiro. Retrato tipico da América.
   Muitas vezes, enquanto os músicos descancavam e Élio tocava sozinho, as pessoas conversavam um pouco mais alto do que o “aceitavel” em um bar. Ele não se importava, pelo contrario, tocava mais baixo ainda como se estivesse fazendo um fundo musical para aqueles diálogos, o que, certamente agradava aos frequentadores que pareciam ate’ estar treinados. Na hora certa, meu amigo tinha um dom especial. Gradualmente começava a tocar mais alto ate’ executar um glizando, que finalizava com uma nota muito grave e permanente por alguns segundos. Sinal que era a hora de diminuir a conversa e prestar atencao na musica.
   Um dia, enquanto meu amigo tocava sozinho, uma mulher, aparantemente muito jovem, perguntou se podia cantar uma cancão. Agora, como integrante do grupo e, acostumado com a leniência de todos que ali trabalhavam, se propôs acompanha-la. Assim que começou a cantar, todos que ainda conversavam, imediatamente dirigiram olhares e atencao a ela. Sua voz era grave, suave e agradável. Élio tocava ainda mais baixo, procurando faze-la ressaltar ainda mais... Os outros músicos, que ainda descansavam começaram, um a um, a voltar e tocar seus respectivos instrumentos. A cada um que chegava e começava a tocar ela virava, dando um sorriso como se estivesse agradecendo sua contribuição, a cada um deles os aplausos eram dirigidos pelos que se maravilhavam com o que ouviam. Uma canção foi seguida por uma outra, mais uma, e quando a jovem mencionou sair do palco, agradecida, todos pediram que continuasse. Aquela menina cantou canções em Inglês, Italiano, Frances e Espanhol.
   Não era verdade, aquilo não podia estar acontecendo, pensara Guilhermo, dono da New York, New York. Ja’ estava feliz com o que fortuitamente havia conseguido mas, aquela menina era muito mais do que podia esperar acontecer em um “fundo de porao” de uma viela de Roma.
   Guilhermo veio logo em seguida cumprimentar `a moca. Os outros músicos exibiam um sorriso que por si so’ expressava claramente o que pensavam a respeito daquela apresentacao.
-  Como você sabia em que tom me acompanhar? Como sabia o que eu ia cantar? Perguntou Gigliola,
   nome da jovem, ao final da noite, depois que o bar estava vazio.
   Élio apenas sorriu em resposta.
-  De onde você e’? Perguntou ele.
-  Sou daqui mesmo, moro em um subúrbio da cidade. Disse Gigliola.
-  Você costuma vir a este bar? Indagou meu amigo.
-  Nunca vim aqui antes desta noite. Uma amiga me disse que havia aqui estado e
   ouviu um organista maravilhoso tocando sozinho. Sempre tive fascinação por órgão. `As vezes,
   sozinha em casa, ficava ouvindo por horas, cantando, acompanhada pela gravação. Tenho gravações
   de todos os organistas que conheço e, ate’ de alguns a mim desconhecidos que acabo descobrindo.
   E você, de onde e’?
-  Nasci no Brasil mas moro nos Estados Unidos. Respondeu ele.
-  E o que faz aqui, tao longe dos dois países? Perguntou Gigliola.
-  Vim a Roma para visitar, um dia dei uma “canja” me convidaram para tocar 
   permanentemente e, aqui estou. Respondeu ele.
   A conversa continuava animada entre os dois. Um pouco mais tarde, Guilhermo se aproximou,
   agradeceu mais uma vez `a jovem e disse, se dirigindo a Élio:
-  Aqui esta’ a chave da porta de entrada. Tem comida na geladeira e bebida no bar. Quando vocês
   saírem, por favor, feche a porta e me devolve a chave amanha.
  
   A conversa se estendeu ate’ as cinco da manha quando Élio se ofereceu a acompanhar Gigliola ate’ sua casa.
   Quando la’ chegaram seus pais ja’ estavam acordados. Fizeram questão que ele ficasse para o cafe’.
   A certa altura, não querendo abrir mão da companhia e da conversa fascinante que a entertia tanto, Gigliola convidou meu amigo Élio a ficar para o almoço.
   A conversa na hora do almoço era agradável e divertida, regada por fettuccini e chianti.
   Ao descobrirem que Élio ainda residia em um hotel, convidaram para que  morasse com eles. A casa era antiga e tinha alguns quartos vazios. Gigliola, filha única e por vezes solitária, principalmente devido a grande diferença de idade entre ela e seus pais, o que de certa forma dificultava um pouco a comunicacao, estava mais do que feliz com a oferta. Agora tinha com quem conversar sobre musica com alguem que era capaz de tocar o instrumento que mais apreciava.
   Meu amigo estava relutante. Primeiro, não sabia se seria apropriado morar na casa de estranhos, que acabara de conhecer. Segundo, porque não sabia se conseguiria resistir aos encantos daquela bela jovem que tao rapidamente tomara conta de seus pensamentos em apenas um dia. Terceiro porque, quanto mais longe do fogo menos chance teria de sentir sua bunda queimada.
   Mas, pensando bem, estaria seguro. Não era possível que aquela linda jovem Italiana fosse se interessar por um Carioca, duro, nascido em Parada de Lucas, criado em um orfanato, sem nunca ter conhecido seus pais, que so’ conseguiu sobreviver devido `a caridade de um orfanato... Alem do mais, não pagando diárias de hotel, certamente teria condições de ajudar um pouco, monetariamente, `aquela família que, pela aparência do ambiente em que viviam, realmente precisavam de ajuda.
   Para a alegria de Gigliola e, de certa maneira de seus pais, aceitou o convite. No dia seguinte, traria seus poucos pertences `a casa de seus novos amigos Italianos.

   Eram seis horas da tarde quando os dois saíram em direção ao hotel no qual Élio ainda se hospedava para retirarem seus pertences e se dirigirem ao bar onde se apresentariam.
   E’ claro que Gigliola foi convidada para fazer parte do grupo. Aceirou a oferta de Guilhermo sem mesmo procurar entender de quanto se tratava. So’ queria cantar, acompanhada por aquele grupo que tanto a encantara desde os primeiros acordes que emolduraram sua voz.
   Em menos de um ano, New York New York era o local mais badalado de Roma. Aquele minusculo bar que pouco tempo atrás funcionava de dez da noite `as duas da manha, de terça `a sexta, agora abria, diariamente de seis da tarde, para uma especie de “Happy Hour” ate’ `as três da manha, de segunda a sábado. Foi necessário ate’ uma remodelação para que, um melhor planejamento do parco espaço, pudesse espremer os músicos e abrigar mais clientes.
   Élio, que começou apenas com uma canja, hoje se tornara em um musico regiamente remunerado, assim como os outros músicos e ate’ aquela jovem que apenas queria ouvir os sons de seu instrumento favorito acompanhando sua voz.
   Aquela convivência diária, fizeram com que meu amigo e a jovem cantora se aproximassem ainda mais. Dia apos dia, conheciam que tinham muito mais em comum do que apenas o gosto musical.

   Em uma tarde de domingo quando Gogliola e Élio sentavam `a varanda da casa onde  residiam, ela virou-se para meu amigo e, segurando sua mão com carinho, como poucas vezes havia feito antes, sentou-se a seu colo e, depois de um beijo apaixonado, que ele, e’ claro, respondeu, afinal de contas não e’ todo o dia que Papai Noel aparece e, tascou-lhe a pergunta:
-  Casa comigo? Ou, pelo menos, vamos viver como namorados ou marido e mulher,
   ou de qualquer maneira que quiser? So’ quero poder fazer você sentir todo o carinho,
   amor, amizade que tenho por você...
   Meu amigo so’ não perdeu o queixo no chão porque queixo não cai, apesar do ditado. Mas, ficou alguns segundos sem saber o que dizer, fazer ou pensar.
-  Quantos anos você tem? Foi a clássica pergunta que conseguiu fazer...
-  Vinte e cinco!
-  Gigliola! Eu tenho Sessenta e cinco... O que você tem na cabeça?
-  Tenho amor, carinho, admiração, felicidade... Tudo inspirado por você.
-  Isto não faz sentido, você e’ apenas uma menina...
-  Então que dizer que se eu encontrar alguem de minha idade, com quem não tenho a 
   menor afinidade, devo me entregar?
-  Não! Deve tentar conhece-lo, depois então...
-  Agora você esta’ falando como um velho! Interrompeu ela.
-  Desde quando você sente assim?
-  Desde o dia em que você me trouxe em casa...
-  Isto foi no dia em que te conheci!
-  Desde então. Enfatizou ela.

   A principio Élio ficou embaraçado, sem saber o que fazer. E’ claro que estava enfatuado por aquele sentimento. Gigliola era uma das mulheres, ou meninas, mais lindas que jamais havia visto, mas quarenta anos de diferença era mais do que qualquer “machao” conseguiria superar...
   Élio so’ aceitou a realidade de sua sorte no dia em que, dizendo que talvez não conseguissem viver como um casal por mais de três anos, ouviu em resposta:
-  O que e’ melhor, três anos ou nada?

   Sheila ainda esta’ so’. Tem uma pagina em varias redes sociais onde, em quase todas suas fotos, sopra beijinhos pensando que ainda e’ uma cocotinha. A idade ja’ a encontrou e ela ainda não percebeu.
   Gigliola e Élio vivem juntos por dez anos, tem uma filha, repartem seus talentos com os frequentadores no mesmo bar, ainda moram na mesma casa onde os avós mimam a neta ao extremo, enquanto os pais trabalham. Nestes últimos anos a vida tem sido muito generosa com meu amigo. Talvez tentando compensa-lo por tantos desachegos em seu passado.

   No ultimo ano Élio veio ao Brasil me visitar, trazendo sua esposa e filha. Nunca o vi’ tão feliz, radiante e jovem. Gigliola e', realmente, uma das mulheres mais lindas do mundo e Grazia, sua filha, e’ uma bela prova do que o amor e’ capaz...
   Tudo isso aconteceu porque Élio sempre achou que alguma coisa e' melhor que nada...










Copyright 2013 Eugenio Colin

  
  

domingo, 18 de agosto de 2013

OLINDA PIROCA





       
                                                       Olinda Piroca






 -  Aqui esta’ o meu cartão! Qualquer problema me liga, a qualquer hora. Para casa, pro
    celular... Toma cuidado... Disse Delegado Pacifico ao liberar Olinda depois da noite
    que passara na delegacia.
    Nada passava porem de uma encenacao...
    Olinda era uma prostituta que “trabalhava” na Cinelândia, Rio de Janeiro.
    As regalias das quais desfrutava provinham do fato de ser ela uma especie de informante secreta da policia.
    Olinda não admitia uso de drogas. Por “clientes” ou por outras “companheiras de trabalho”. Se soubesse que alguem estava usando ou traficando drogas, não exitava, descoibria uma maneira de se comunicar com a policia.
   Pacifico uma vez ate’ lhe disse que sua maior frustração era não poder tornar publico o excelente trabalho que ela fazia nas noites cariocas.
   Piroca era um apelido que as outras lhe deram, devido ao fato de ser a mais procurada ou requisitada por todos os que com ela passaram algumas horas ou pelos que sabiam de suas habilidades profissionais.
   Olinda nunca se oferecia a um cliente em potencial. Tinha uma maneira única de chamar atencao sem ser percebida. Deixava seu cliente achar que estava conseguindo mais uma conquista. A esta altura, depois de alguns anos, estava mais segura em sua profissão. Seu alto preço, por si so’ se encarregava de selecionar seus “admiradores”. Nunca repetia um encontro. Aquele que com ela sentisse um prazer indescritível, segundo alguns deles, por aqueles poucos minutos podiam se despedir da experiência para sempre. Nunca mais teriam oportunidade de experimentar `aqueles momentos novamente. Talvez, por isso mesmo, toda aquela áurea em relacao `a Olinda.
   Olinda morava em Paqueta’, em mua casa pequena e charmosa na Praia da Moreninha.
   A ideia havia surgido depois de ler o romance de Joaquim Manoel de Macedo. Quando terminou de ler, estava tao curiosa a respeito daquele lugar paradisíaco tao bem descrito que resolveu um dia ir ate’ la’ para conhecer. Trabalhou dois anos ate’ ter o suficiente para comprar uma casa que a havia encantando quando la’ esteve de visita. Alem do mais, morando em Paqueta’, tao longe da “civilizacao”, ninguém saberia de sua profissão que a envergonhava tanto.
   Essa "vergonha" começou quando seu namorado, que na época pensava ser o amor de sua vida, a “vendeu” a um amigo para pagar uma divida de jogo. Quando ela se recusou ouviu: “Se você realmente me ama, faz isso por mim...”
   Aquilo a matou sentimentalmente. Decidira então seguir dando “provas de amor”, so’ que agora, ela era quem usufruía do preço pago pelo amor que vendia.
   Nos finais de semana porem, em Paqueta’, tudo era diferente. Para seus vizinhos, amigos e todos que conhecia em Paqueta’ ela era dona de uma lanchonete ambulante numa das ruas mais movimentadas do bairro do Meyer. Aos Sábados, cuidava da casa, ia `a praia e nos Domingos, nunca perdia uma missa, onde conversava com Deus, pedia perdão pelo que deliberadamente fazia, pedia uma alternativa `aquela vida e, mentalmente se preparava para o que a esperava na semana que se iniciaria no dia seguinte. A única coisa que a consolava um minimo era o fato de, por causa de sua situação privilegiada de observadora da noite sem despertar suspeitas, poder ajudar a combater o que mais repudiava... Drogas!
   Em toda sua carreira profissional aconteceram apenas duas excessoes `a regra de não repetir clientes...
   A primeira foi quando conheceu Tiers Voleur, um homem, muito mais jovem do que ela, quem lhe deu uma carona um dia sem saber que ela era uma prostituta. Todas as vezes em que se encontravam conversaram por horas. A ele, Olinda havia dado seu numero de telefone. Encontravam-se todas as vezes em que Tiers a convidava ate’ que, tentando tomar rédeas dos acontecimentos e, não querendo iludir o rapaz que, talvez por um pouco de Inocência, nunca havia percebido que estava se envolvendo com uma vendedora de amor, contou a respeito do que fazia para “ganhar a vida”.
   Quando soube, ficou tao triste que, imediatamente a levou de volta ao mesmo lugar onde a havia encontrado e dali saiu, quase chorando de tristeza.
   No dia seguinte voltou. Olinda aceitou seu convite. Desta vez conversaram a noite inteira. Naquela mesma noite, sem a conhecer por muito tempo a havia pedido em casamento. Naqueles encontros não haviam trocado um beijo, não haviam tido relaçãos sexuais, apenas trocaram caricias ternas e intensas.
   Na verdade, talvez Olinda não se sentisse digna daquele rapaz, talvez não se sentisse digna de ter uma vida normal. Se sentia suja. Antes de mais nada, em sua mente, antes de se entregar a alguem, de verdade, teria que se purificar, se livrar daquele carma que a acompanhava e perseguia tao implacarmente.
   A segunda vez, na qual quebrou outra de suas “regras”, estava indo para casa, em uma Sexta-feira, ja’ pensando no final se semana que a aguardava quando viu, na barca quase vazia que a conduzia `a ilha, um homem, este um pouco mais velho do que Tiers. Pela primeira vez abordou um “cliente”. Sentou-se a seu lado e, quando “acidentalmente” encostou seu braco no dele, este olhou para os lados e constatou que a barca estava praticamente vazia. Este sim, tinha ela certeza, sabia que ela era uma “dama da noite”. Começaram a conversar displicentemente. Soube que seu nome era Brolha. Achou muito engraçado, mesmo depois de saber que se tratava de um apelido. Gostou tanto daquele homem que não teve coragem de propor nada. Ficou foi surpresa quando soube que ele estava indo ate’ Paqueta’ para “penetrar” em um baile que seu conjunto preferido animava.
   Providencialmente soube que ela era sócia do clube e, assim sendo poderia leva-lo como acompanhante.
   Brolha era muito engraçado. Contava piadas, dançava como poucos. Alias, fazia muito tempo que Olinda não dançava. De repente começou a se sentir extremamente feliz. Por algumas horas esqueceria de todas as incongruências que eram parte inerente de sua vida.
   Olinda, como sempre, estava muito bem vestida. Brolha, parecia um príncipe. Calca azul escura, um summer branco, camisa plissada, faixa e tudo que um traje a rigor tinha direito. Quem visse aqueles dois diria que eram namorados, apaixonados, se reparassem na exuberância de suas fisionomias.
   A noite corria como um cometa `a procura do destino. Olinda fumava, vicio que no inicio era apenas uma maneira de parecer mais elegante mas que, com o tempo, se impregnou em sua personalidade. Lutava porem para que a crueza de sua vida, como o cigarro não fizesse o mesmo.
   Brolha não deixou, naquela noite, de acender os cigarros de Olinda nem por uma vez. Ela se sentia, ao lado de seu companheiro ocasional, como uma princesa. Alias, Paqueta’ era, para ela, um paraíso. Tudo era bonito, simples, descomplicado.
   A musica era maravilhosa, o parceiro, alguem que nunca havia conhecido igual, o ambiente alegre a fazia esquecer que ela raramente pertenceria `aquele quadro.
   Nem se lembrava que dançava tao bem... Foi Brolha que, a certa hora, com ela em seus bracos falou bem baixinho ao seu ouvido. “Nunca vi ninguém dançar como você.”
   A noite foi indescritível, aparantemente para eles dois. Eram quase quatro horas da manha, perto do baile terminar quando uma chuva torrencial lavava a ilha. Ninguém saiu do clube quando o baile acabou. Os dois sentaram em um banco, no salão de bailes e continuaram conversando, ignorando a chuva, tentando esticar a noite maravilhosa prestes a findar.
   Somente `as seis da manha, agora uma chuva amena, os funcionários do clube disseram que teriam que ir embora.
   Brolha, cavalheirescamente tirou seu paleto, cobriu a cabeça e as costas de sua companheira e a acompanhou ate’ sua casa.
   Em la’ chegando, Olinda ofereceu preparar um cafe’ da manha para eles. Ao saber que Brolha gostava de mandioca, resolveu preparar uma de suas especialidades culinária; bolinho de mandioca recheado de carne moída com muzarela e molho de tomate, servido em um pratinho em forma de barca sobre alface, repolho e cebola, cortados em tirinhas, misturados com batata palha.
   Ao provar aquela iguaria, ficou admirado... “Isto e’ uma refeição completa, que maravilha!” elogiou. Mas, apesar de toda aquela euforia, de todos os momentos maravilhosos que ainda estava vivendo, sabia que Brolha não era para ela. Não ousava se permitir sentimentos tao complexos como o amor. Alem do mais, não sabia porque, ele não demonstrou o menor interesse em sexo, ou romance ou qualquer outra coisa a não ser mostrar a ela o que era ser tratada com respeito, carinho, atencao, como se estivesse revelando o que seria uma relação normal entre um homem e uma mulher.
   Ao se despedir, ao ver que Olinda abracava aquele paleto’ como se fosse um trofeu, Brolha ofereceu que ela o guardasse como lembrança de uma noite, para ele também, maravilhosa.
   Olinda deu um beijo carinhoso no rosto daquele estranho que sabia nunca mais iria rever...

   Mas, apesar de lembranças esporádicas que mostravam a outra face de sua cruel realidade, a vida seguia. Olinda ja’ estava acostumada com o que enfrentava. Havia criado mecanismos que a protegiam e a ajudavam a sobreviver.
   Um dia porem, em uma noite fria e chuvosa, condicoes inconstantes nas noites Cariocas, viu um jovem atravessar correndo a Avenida Rio Branco, bem em frente ao Teatro Municipal. Logo em seguida, um carro em alta velocidade parava, bem em frente dela e, pela janela que parcamente se abrira, uma rajada de tiros de metralhadora. De inicio, sem entender o que acontecia, procurava o motivo daquele ataque violento que acabara de sofrer. Pouco depois, talvez despertada pelo barulho e cheiro de fumaça de pneus queimando o asfalto ainda molhado, apos ter mentalmente fotografado a placa daquele carro, constatou que não estava ferida. Olhando um pouco mais `a frente, pode perceber aquele jovem que ha’ alguns segundos havia cruzado sua frente, cambaleante cair na calcada, coberto de sangue. Imediatamente correu em sua direção. Pelos olhos entre-abertos pode ver uma lagrima descer suavemente enquanto ele tentava balbuciar algo. Imediatamente ligou para o SAMU, logo depois para Delegado Pacifico. Ao sentir que o rapaz fechava os olhos, como desistindo da batalha pela vida que acabara de começar, uma bofetada violenta o acordava, fazendo com que arregalasse os olhos, talvez procurando entender o que estava acontecendo. Assim que foi socorrido, fez questão de saber para onde seria levado. A ambulância deixava o lugar com as sirenes estridecendo o silencio da madrugada enquanto ela no mesmo lugar esperava pelo Delegado.
   O numero da placa e a descrição daquele carro foi o suficiente para que aqueles criminosos fossem descobertos e detidos, em menos de três horas.
   No hospital, aguardava impacientemente por informacoes sobre o estado daquele rapaz. Com o auxilio do Delegado Pacifico foi possível descobrir o endereço da família daquele jovem a qual foi visitar, na manha do dia seguinte.
   Aos pais daquele jovem, descreveu o acontecido. Não escondeu nada. Confessou que era uma prostituta e que por isso estava naquele local `a hora do ataque. Seus pais não sabiam que o “menino” estava envolvido no mundo das drogas, embora suspeitassem de algumas de suas atitudes e reacoes.
   Pode notar, pela casa humilde e vestuário que se tratava de uma família muito pobre. Se ofereceu as acompanha-los ao hospital para que pudessem visitar o filho.
   La’ encontrou-se com Dr. Pacifico que aguardava que o menino deixasse a UTI para poder interroga-lo.
   Apos apresenta-los aos pais do rapaz, apos breve conversa, implorou ao Delegado que não abrisse inquérito. Jurou que se responsabilizaria pelas atitudes do menino se ele, porventura conseguisse se recuperar.
   Foram três dias, vivendo na sala de espera daquele hospital onde Olinda se encarregava de manter vivas as esperanças daquele casal que mal conhecia.
   Na manha do quarto dia, finalmente o cirurgião procurava pelos responsáveis por aquele menino. Olinda se apresentou como tia, ao lado dos pais que la’ também estavam.
   O medico explicou que retirou nove balas de seu corpo, uma porem provocou uma lesão seria em uma das pernas que jamais recuperaria os movimentos totais.
   Assim mesmo, todos ficaram enormemente agradecidos por aquela vida resgatada.
   Dois dias depois aquele jovem tinha alta e estava a caminho de sua casa. Olinda fez questão de acompanha-los `ate em casa onde esclareceu ao jovem porque ele não estava preso e com sua vida destruída para sempre. Ao tomar conhecimento dos detalhes sobre o episodio, ainda mancando e com muitas dores fez questão de se dirigir a Olinda e a abracando com carinho prometer que jamais se envolveria com drogas e que daqui por diante tomaria conta de seus pais e nunca mais os faria sofrer.
   Olinda saia dali feliz e realizada. Havia aprendido na crueza das ruas a distinguir verdades e mentiras. Tinha certeza que aquele menino havia feito uma promessa verdadeira.
   Andes de sair, o rapaz pediu para tirar uma foto de Olinda que dias depois emoldurou e exibe com carinho naquela sala de estar da casa onde mora.

   So’ depois de quatro dias exaustivos Olinda voltou a Paqueta. Aquele resto de semana não saíra de casa. Descansou, foi a praia, refletiu sobre sua vida, sobre o risco que corria diariamente ao se entregar a um homem desconhecido que poderia ser qualquer um, alguem como um dos que tentaram matar aquele jovem.
   A semana foi repleta de lembranças de toda sua vida. Fazia mentalmente um apanhado geral desde dos tempos de menina, seu primeiro namorado na escola, um menino franzino, de óculos  rejeitado por todas suas colegas a quem ela um dia se dirigiu e disse: “Quer me namorar?” Pensando bem, nunca conseguira entender se realmente gostava daquele menino, em sua mente inocente e infantil, ou se queria apenas ajuda-lo a recuperar sua auto-estima...
   Pensara também em Trubufu, o homem a quem havia se dedicado de corpo e alma, o mesmo que a “vendeu” para pagar uma divida.
   E’ claro que hoje, depois de tantas experiências muito mais significativas, tristes, reais, todos aqueles acontecimentos de sua juventude poderiam ser entendidos por uma perspetiva mais realística, menos romântica. Mesmo o homem que a traiu tao cruelmente havia sido esquecido e colocado no contexto real da realidade que atualmente vivia. Havia entendido, com o passar do tempo, que todo aquele amor que uma vez sentira existia apenas em sua imaginação.
   Tiers poderia ter sido seu grande amor mas, era tao jovem, tao inocente...
   Brolha! Este sim, havia sido o homem que mais admirara, em toda sua vida. Talvez pela circunstancia em que se conheceram, talvez por sua alegria, bondade, descontração, gentileza, respeito com que a tratara, mesmo tendo conhecimento de sua “profissao”, atitudes raras no mundo em que diariamente vivia. “Como ele dançava bem...” Lembrava.

   Na próxima segunda feira telefonou para Dr. Pacifico, solicitando um encontro.
   Em seu escritório informou que estava deixando as noites da Cinelândia. Decidira que era tempo de “salvar” sua vida antes que algo aleatório a destruísse.
   Dr, Pacifico não poderia ter ficado mais feliz. Informou também que com a informação dela recebida a respeito daquela ocorrência, foi possível desmantelar um dos maiores carteis de trafico de drogas, com ramificacoes poderosas em vários estados do pais e ate’ mesmo no exterior.
   Ao se despedir, o delegado segurou a mão de Olinda respeitosamente, a beijou com carinho e disse; “Que Deus a proteja sempre. Foi uma honra enorme te-la conhecido. Viva em paz, minha filha.”
  
   A primeira semana em Paqueta’, apos ter se “aposentado” foi monótona e arrastada. Em uma manha porem, ao arrumar suas roupas em um armário viu o Summer que Brolha, um conhecido fortuito de apenas uma noite, havia presenteado. Por associação de ideias lembrou daquela manha em que lhe serviu desjejum.
   Fechou seu armário, arquivou seus pensamentos momentaneamente e saiu correndo de casa em direcao `a estacão das barcas.
   Em poucas horas ja’ havia traçado seus planos futuros.
   Resolvera, durante a semana, abrir uma pequena venda ambulante, na estacão das barcas onde venderia seus famosos bolinhos, uma refeicao completa, como diria o slogan que seu cart exibiria. E’ claro que nunca mais teria a mesma renda que a ocupação da qual se aposentara lhe fornecia mas, teria paz, tranquilidade.
   Nos finais de semana poderia passear no Rio ou, da sacada de sua casa admirar a praia da moreninha...
   Ela começaria agora o seu ato de contrição. Queria se redimir, recuperar sua dignidade que, na realidade nunca havia perdido... Se purificar e estar preparada para, um dia, quem sabe, encontrar alguem como Brolha, ou Tiers e, desta vez então, sem vergonha ou reticencias, poder encontrar-se novamente com  aquele amor que uma vez sentira, infelizmente, pela pessoa errada, se realizar como mulher, sentindo-se verdadeiramente, pela primeira vez, como Olinda Piroca.




Copyright 2013 Eugenio Colin

  

terça-feira, 13 de agosto de 2013

DAS ANKUNFT







                                                     Das Ankunft







   Ainda de longe, chegando em casa, pude ver Jeralda, a minha vizinha com algo no seu colo. Mais de perto, quase `a porta da minha garagem pude ver que se tratava de um cachorrinho...
   Era um Basset Round, aqueles de pernas curtas que mais parecem uma salsicha do que um cachorro. Mas, o importante e' que as duas estavam felizes. A cachorrinha abanava o rabinho com tanta forca que Jeralda fechava o olho a cada vez que levava uma porrada no rosto pelo rabo de sua nova companheira.
-  Olha so' o que ganhei... Disse ela toda feliz assim que me viu.
-  Puxa! A quanto tempo não te vejo... Você anda tao quieta. Nem tenho escutado tua voz... Ja'
   "batizou" a bichinha? Falei.
-  O nome dela e' Mel. Ela e' marronzinha, parece um pote de mel.
-  Além da Mel, que mais anda acontecendo com você? Perguntei.
-  Ando meia preocupada. Respondeu.
-  O que aconteceu agora? Indaguei.
-  Sabe, o Caio? Aquele cara de São Paulo que conheci? Esta' querendo vir aqui me ver...Disse
   Ela.
-  Mas, qual e' o problema? Perguntei, achando engraçado... Por sua atitude, parecia que estava
   decidindo sobre o futuro da humanidade.
-  Sei la'! E se ele for feio, ou baixinho... Se tiver mal halito? Ele disse que fala Alemão... E se eu não
    entender nada que ele fala? Respondeu ela.
-  Porque você não vai por partes? Se ele for feio, ou anão, e você não gostar, não vai precisar saber
   se ele tem mal halito. Se não entender nada do que ele fala, fica quieta ete' ele cansar de falar
   sozinho e ir embora. Concorda? Ponderei.
-  Sua mãe ja' sabe disso? Perguntei.
-  Sabe!
-  E, o que ela disse?
-  Nada! Disse que se ele vier `a cidade que eu o convide para almoçar.
-  Então pronto! Esta' resolvido. Disse.
-  Tô com medo! Disse Jeralda.
-  Faz o seguinte... Se ele for realmente baixinho e fraco e estiver te aborrecendo, me grita e eu dou
    uma surra nele... Sugeri.
-  Puxa! Você não leva nada a serio... Eu estou morrendo de preocupação e você esta' brincando...
   Disse ela.
   Mais tarde, fui ate' o portão de sua casa e deixei este poema para ela. Espero que tenha lido...



 
   Mamãe, tive um sonho horrível.
   Estou ainda tremendo,
   meu braco coçando, sensível,
   com o dedo do pe' doendo...

   Em uma cidade plantada,
   esperando la' pelo Caio,
   cansada de ficar sentada...
   - Daqui sem ele não saio!

   Pousou o primeiro avião,
   correndo pra porta fugi,
   com dor no meu coração
   ate' calafrios senti...

   Pro meu relógio olhava,
   avião, avião e nada,
   de vez em quando chorava,
   pensando não ser amada...

   Minha mãe ter ouvido devia,
   sou mesmo muito inocente...
   Se tivesse, assim não sofria
   por esse cara indecente...

   Negocio de Internet e' furada,
   os caras so' fazem mentir,
   inventar historias, mais nada,
   com a cara dos outros curtir...

   - Ja' chega! Eu ja' desisti!
   Vou embora pra casa voltar!
   Quando puxar minha saia senti,
   comecei a me assustar...

   Pisando em meu pe' eu vi
   um Alemão, um metro de altura.
   Não pude aguentar, sorri!
   Ouvi: "A ti toda minha ternura..."

   - Amor, meu nome e' Caio,
   eu vim pra te conhecer.
   Se quiseres, daqui não saio,
   contigo eu quero viver...

   - Por favor, me pega no colo,
   me deixe seu rosto olhar,
   agora não mais me controlo,
   so' quero na vida te amar...

   No colo o cara peguei,
   pensando no que dizer.
   Agora que faço? Não sei
   como em casa aparecer...

   Mais tarde, na hora do almoço,
   ao em frente da mesa sentar
   nem pude olhar para o moço,
   então comecei a chorar...

   Aí, ele quis me beijar...
   Sem ter mais o que fazer,
   pensei: Não posso deixar!
   Meu pe' começou a lamber...

   Pulei na cama assustada,
   como se caindo do céu,
   feliz por ter sido acordada
   pelo nariz frio da Mel...




Copyright 2013 Eugenio Colin

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

PEGADAS






                                                           Pegadas





   E’ interessante perceber, apesar do muito que sabemos, como nossa compreensão e’ limitada em diversos aspectos.
   Existem em muitos países, cientistas que dedicam e dedicaram toda uma vida na tentativa de entender como nosso cérebro funciona. Os estudos ainda estão, praticamente, em fazes preliminares. Muitos ainda tentando desvendar cérebros menos complexos como o de uma mosca, por exemplo.
   Mas, assim mesmo, conscientes de nossa limitacao, muitas vezes tentamos entender  os mistérios de Deus.
   Em 1943, Reinhold Niebuhr escreveu uma oração que diz: "Concede-me Senhor a serenidade necessária para aceitar as coisas que não posso mudar; Coragem para modificar as que posso e, sabedoria para distinguir a diferença."
   Uma vez presente ao enterro de uma pessoa muito querida ouvi algo muito interessante... Uma senhora, ao ouvir; “Ha’ tanta gente ruim solta por ai... Porque so’ as pessoas boas morrem?” Sem mesmo pensar respondeu; “Porque Deus quer a seu lado pessoas boas...” Temos também o habito de reclamar a respeito dos acontecimentos que por vezes nos afligem sem nunca pensar que a alternativa poderia ser bem pior...
   Normalmente procuramos preencher o vácuo de nossa compreensão com algo fácil de entender ou assimilar, concluindo assim a busca por algo que, de antemão, sabemos imcompreensivel.

   Existe na América um conto muito conhecido pela maioria das pessoas religiosas; “Footprints”. Ele relata a historia de um homem que, ao morrer, questionava Deus sobre sua vida.
   Este conto e’ um exemplo tipico de como vemos as coisas mais claras de uma maneira destorcida e não conseguimos entender eventos simples. Como se fosse um desenho de ilusão ótica que, depois que conseguirmos visualiza-lo pela primeira vez, nunca mais nos esquecemos.
   Apesar de gostar da historia, o fato de estar escrito em prosa não me agradava.  
   Resolvi então, traduzi-lo para Português e, desta vez, em forma de poema..



                       Pegadas

   Um homem no céu por Deus esperando
   o juízo final, com calma aguardava,
   olhando pra Terra apenas pensando
   em locais e pessoas que ainda amava...
   Ao ver Deus chegar `a ele sorrindo,
   humilde dizia ao seu criador,
   tristeza na alma ainda sentindo,
   apesar de ama-Lo com todo fervor...
   Por toda uma vida andaste comigo.
   Os passos lado a lado a praia la’ mostra
   mas, nas horas mais duras a mim destinadas,
   não vi tuas pegadas na areia marcadas...
   Filho! O’ meu filho! Como todo mortal
   ainda la’ em baixo, tu pensas igual,
   sem ver com clareza o que acontece,
   aceitando apenas o que lhe parece...
   Pegadas de um so’ que vez no caminho,
   quando pensas que triste andavas sozinho,
   são marcas que eu deixava no solo
   quando a ti, em meus bracos, trazia no colo...




Copyright 2013 Eugenio Colin












sábado, 3 de agosto de 2013

BETTY






                                                                      Betty






   Elizabeth do Pinto Vermelho, carinhosamente conhecida por familiares e amigos como Betty, morava com seus pais em um apartamento de cobertura na lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. No mesmo local onde ha’ dezenove anos atrás havia nascido.
   Naqueles dias todos estavam muito felizes. Ela havia ganho, devido unicamente `a seus esforços e ótimas notas, uma bolsa de estudos para a Faculdade de Economia da PUC.
   Betty, alem de estudiosa ao extremo, era também portadora de uma inteligência fora do comum. Ate’ ai’, tudo bem! Porem, o que a fazia ser estigmatizada principalmente pelas meninas de sua escola era o fato de, alem de tudo, ser indescritivelmente bonita. Era alta, loira, cabelos longos e bem tratados, olhos verdes, um corpo de fazer inveja `as mais famosas modelos internacionais, alem de possuir uma voz grave, requintada e sensual.
   Mas, Betty não era o tipo de pessoa a ser guiada pela opinião publica. Sabia o que queria na vida e sempre se mirava nos exemplos de seus pais, seus únicos e verdadeiros amigos, segundo verbalizara em varias ocasiões.
   Dona Bucetildes, sua mãe, nunca deixava passar a oportunidade de orgulhosamente relatar um episodio que para ela e seu esposo foram um dos mais importantes acontecimentos em suas vidas.
   Uma vez em uma daquelas reuniões entre professores, pais e alunos onde, principalmente os pais sempre ficam com um medo filho da puta do que pode acontecer, uma das professoras dava aos alunos, da mesma serie em que ela estudava, a oportunidade de, publicamente expressar opiniões sobre seus pais.
   “Se você pudesse, o que mudaria em seus pais?” Era a pergunta formulada a aluno por aluno... As respostas eram as mais honestas e reveladoras, principalmente para os pais...
-  Gostaria que fossem mais pacientes...
-  Queria que me dessem mais atenção...
-  Sempre rezo para que não briguem tanto...
-  Queria que passeassem mais comigo e meus irmãos...
-  Gostaria que me tratassem com mais respeito...
-  Queria que fossem mais carinhosos...
   E assim por diante. Cada aluno tinha uma observação. importante a respeito de seus pais.
   Quando chegou a hora de Betty responder `a pergunta, ela pegou o microfone, que espalhava frustrações pelas arquibancadas do ginásio da escola e falou, com o maior sorriso, olhando em direção. ao local onde seus pais sentavam:
-  Gostaria que meus pais fossem exatamente como são...
   O ginásio “explodiu” com aplausos enquanto seus pais não conseguiam esconder as lagrimas de agradecimento e satisfação..
   Nos finais de semana, enquanto algumas colegas se arrumavam todas e saiam, algumas ate’ escondidas dos pais, para festas ou encontros fortuitos, muitos deles com conseqüências desagradáveis, ela ficava, deitada a beira da piscina em seu apartamento, ouvindo musica, contemplando a paisagem maravilhosa que de seu apartamento podia deslumbrar e, agradecendo a seus pais por tudo que por ela faziam e pela vida de conforto a ela proporcionada.
   A única “amiga” que tinha naquele prédio era a menina do nono andar, Magnésia Torrada, “Maggie” como fazia questão de ser chamada, que na vida deu a maior sorte de ser rica e ter nascido na Lagoa. Se fosse dura e tivesse nascido em Bangu, seu apelido certamente seria “Caganeira”.
   Mas Maggie fazia Betty se divertir com suas futilidades:
-  Ei! Amiga... Esta semana comprei um sapato “supimpa”. Steve Madden! Custou mais de oitocentos reais. E’ lindão! tenho ate’ pena de usar...
-  Se você não vai usar, porque comprou? Respondia Betty, sorrindo.
-  Sei la! E’ bom comprar... Me faz sentir poderosa... Dizia Maggie.
    Betty apenas balançava a cabeça pensando; “quanta idiotice...”

   As ferias finalmente terminaram. Hora de encarar a faculdade...
   Betty estava um pouco apreensiva. Ouvira falar muitas coisas a respeito de Universidades. Os grupinhos que se formavam, os que queriam ser os mais importantes, os que eram relegados, os que queriam aparecer a qualquer preço...
   Sabia também que tudo isso fazia parte da educação. extra curricular. Como enfrentar o mundo, na maioria das vezes injusto e implacável, como lidar com rejeição., como superar a opinião publica, como se impor em um ambiente hostil... Sabia que poderia sempre contar com o apoio de seus pais e que com isso conseguiria superar qualquer obstaculo.
   No primeiro dia de aula ja’ pode ter uma ideia do que a esperava... Andava distraída `a procura de sua sala quando ouviu, em resposta a sua pergunta:
 Esquece onde e a sua classe meu bem. Vamos comigo ao banheiro e eu faco você
   se sentir como uma atriz de Hollywood enquanto segura o meu “Oscar”.
   Marcão., o apelido daquele rapaz, ficou injuriado quando viu Betty morrer de rir com a idiotez que acabara de ouvir. Esperava que ela ficasse chocada, ou com medo, ou saísse correndo mas, nunca, nunca, rir na sua cara...
   Aos poucos Betty foi se adaptando ao ambiente, `a ela hostil. Sua única amiga era uma moca muito humilde, Adelaide, uma órfã ja’ nos seus trinta e poucos, que havia trabalhado nove anos, juntando dinheiro para poder custear seus estudos.
   Ao saber de sua historia, Betty começou a se conscientizar das injustiças da vida. Ali estava ela, milionária, estudando de graça e sua colega tendo que economizar centavos para poder cuidar da filha e ainda cursar uma universidade.
   Um dia, ao chegar em casa quase chorando, conversava com seus pais `a hora do jantar `a respeito de Adelaide, os quais a ouviram atentamente. Seu pai explicava que o mundo não e’ cruel ou benevolente, apenas indiferente... Não ha’ justiça no mundo, existem apenas acontecimentos que se desfecham de maneira aleatória.
   Uma semana depois, sua mãe pediu que ela convidasse sua nova conhecida para com eles almoçarem no próximo Sábado. A principio Betty ficou reticente. Como seria a reação. de quem mora em um subúrbio pobre da cidade ao vivenciar todo aquele contraste. Seu pai porem, ponderou que e’ sempre melhor encarar o problema e aprender a lidar com suas consequencias, se não puder resolve-lo, do que fingir que ele não existe.
   Sábado, como combinado, la’ estava Adelaide com sua filha. Dona Tildes se encantou com a menina imediatamente. Depois de conversar bastante com Adelaide, apos o almoço pediu permissão para sair com sua filhinha para um passeio.
   Em casa, ao lado de Betty, seu pai trocou ideias com ela e sua amiga por horas. Aparantemente sobre futilidades, falava sobre filmes, livros, passeios que Adelaide havia feito, futebol, esportes em geral... Mais tarde, quando as duas amigas conversavam displicentemente, pediu permissão `a Betty e Adelaide para poder custear os estudos daquela amiga de sua filha. Sabia muito bem as despesas necessárias para uma educação superior... Foi difícil convencer Adelaide de que tinham mais do que suficiente para uma vida de luxo pelo resto da vida. Explicou a ela que estava preparado para financiar os estudos de sua filha.. Ponderou que não estava fazendo sacrifícios, apenas transferindo fundos.
   Adelaide não sabia o que dizer. E’ claro que estava surpresa. Primeiro, jamais pensara que Betty fosse tao rica como acabara de evidenciar não so’ pela casa que estava visitando, como também pela generosidade a ela oferecida. Para ela, sua colega parecia com quem, como ela, passava por dificuldades. Jamais havia visto por parte dela algum gesto que pudesse conotar ostentação.. Betty ia para a faculdade de ônibus. Foi com enorme surpresa que soube que aquela menina tao simples tinha um BMW conversível `a sua disposição. na garagem do prédio onde morava. Na hora do almoço, no refeitório da faculdade, quando não dividiam um sanduíche, comia arroz, feijão e ovo frito, como ela mesma também, mitas vezes, fazia.
   Depois de tantas surpresas, como se não fossem bastante, enquanto apreciava a magnifica paisagem que podia ser deslumbrada do terraço do apartamento, ouviu Dona Tildes e sua filha chegarem do passeio. A menina entrou gritando pela mãe, coberta por bolsas de compras que havia feito. Adelaide não pode resistir. Lagrimas felizes desciam de seus olhos discretamente...
   Foi, inequivocamente um dia insólito.

   As duas se encontravam quase que diariamente pelos corredores e salas da PUC. Betty estudava economia enquanto Adelaide atendia `as classes de psicologia.
   O tempo passava mas as hostilidades contra Betty não diminuíam. Ela porem não dava ouvidos aos comentários maldosos... Marcao continuava a assedia-la. Havia inclusive feito uma aposta que seria o primeiro da faculdade a “come-la”. Sabendo da aposta, por terceiros, ela resolveu tomar a situação. pelas rédeas. Aos poucos começou a ser mais receptiva aos assédios de Marcao. Depois de algumas semanas nas quais os dois haviam se tornado mais “amigos”, resolveu aceitar o convite para no próximo Sábado  leva-la a um Motel onde os dois de tornariam “intimos”.
   Marcão havia espalhado para todo o mundo que Betty seria “executada” naquele Sábado. Ela porem estava calma, ao contrario de seu companheiro que se comportava nervosamente.
   No dia do encontro, no carro de Marcão, enquanto dirigia, proferia obscenidades que longe de chocar sua parceira, a faziam usar de toda sua discrição. para não rir das bobagens que ouvia.
   Chegaram ao Motel.
   Assim que Marcão fechou a porta do apartamento onde estavam. Betty muito seria, encarava seu companheiro enquanto, como uma strip teaser profissional, começava a se despir. A cada peca de roupa que tirava, podia ver mais uma gota de suor descer pelo rosto do “machão” que dela se afastava lenta e amedrontadamente. Ao chegar perto dele, agora so’ com uma calcinha de rendas pretas cobrindo seu corpo escultural, começou a despi-lo com assertividade. Ao ver seus jeans caírem ao chão. deu uma bofetada em seu rosto ao mesmo tempo que, com a outra mão, o empurrava sobre a cama.
   Montou em seu corpo, sobra suas pernas, com toda sua forca, rasgou a cueca que o protegia, olhou para ele com uma cara de tarada, mais uma bofetada, desta vez com mais forca e segurando seu membro com uma das mãos, a outra rasgando a camisa que ainda o cobria falou: “ Vamos ver o que você tem a oferecer.”
   Betty teve dificuldades em manter em sua mão aquele “objeto” inútil que por entre seus dedos escorregava envergonhado, encolhendo mais do que minhoca quando e’ tocada.
   Marcão suava mais do que porco no sol apos a refeição..
   Betty olhava para ele e dizia: “ Come e’? Vamos meter ou não?”
   Seu companheiro, muito envergonhado, respondeu: “E’ melhor a gente deixar para a próxima vez...”
-  Mas você me perseguiu tanto... So’ pra isso? Disse Betty.
-  Esse troco não sobe? Disse Ela, agora olhando para o pintinho do Marcão, ainda em
   sua mão. “Que vergonha Marcão!” falou ironicamente enquanto saia de cima de sua
   “presa” que ate’ agora tentava entender o que havia acontecido com aquela menina
   tão quieta que ete’ então pensava intimidar.
   No carro, de volta para casa, Marcão não disse uma palavra enquanto Betty brincava com sua “vitima”...
-  Puxa vida! Eu ate’ ja’ estava animada... Toda molhada! E agora? Dizia sorrindo.
   Ao chegar na porta do prédio onde morava, ao se despedir, ela ainda brincou...
-  Sera’ que ate’ Sábado que vem você vira homem para me encarar?
   Marcão apenas baixou a cabeça e murmurou:
 Desculpe!

   Mas Marcão, alem de brocha, era covarde... Naquela segunda feira, havia espalhado por toda faculdade que Betty não tinha “conseguido” e começou a chama-la de Betty Frigida.
   Ela sabia muito bem que, se quisesse poderia mudar o apelido daquele babaca para “Bundão” mas, pensando bem, se fosse “frigida” como seu apelido verbalizava, estaria a salvo de outros “garanhoes” de desenho animado. Por isso, acolheu seu apelido e ficou livre de assédios inoportunos inconsequentes.

   Os anos corriam como ladrão depois do assalto. Num piscar de olhos ja’ estava cursando o ultimo ano de seus estudos. Havia ate’ arrumado um estagio na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro onde, por ja’ algum tempo pensara em trabalhar.
   Em seu primeiro dia de estagio resolvera ir para la’ de taxi. Afinal, da Lagoa, onde morava, ate’ a Praça XV, sede da BVRJ, era praticamente uma reta, sem muito trafego. Com o tempo saberia como e onde estacionar seu carro, se fosse o caso.
   Atravessou a rua e ficou a espera de um taxi... Quinze minutos! Meia hora, e nada...
Nenhum taxi `aquela manha... Sera’ que estão em grave? Brincou com seus pensamentos...
   A única saída era tentar outro meio de locomoção.. Esperava agora em uma parada de ônibus quando viu um homem, passar em um carro, acintosamente olhando para ela. Ainda pensou: “Oito horas da manha e esta cara ja’ esta’ paquerando... “
   Mal concluíra seu pensamento e la’ estava o cara, novamente, desta vez quase dando uma porrada num poste quando o carro passou por ela mas, a cabeça, invés de olhar para frente, contorcia seu pescoço, fixado que estava naquela linda loira.
   “Bingo!” Pensou... Se esse cara passar outra vez vou pegar a carona e parar na Praça XV. Deixou ate’ passar o ônibus que a levaria ao destino ir embora sem ela.
   Assim que o ônibus arrancou, o carro do admirador parou.
   Quando ele parou, Betty meteu a mão na porta, abriu e sentou-se, sem a menor cerimonia...
-  Tudo bem! Disse o homem.
-  Tudo! E com você? Respondeu Betty.
-  Não sei ainda! Vai depender de você... Respondeu o admirador.
-  Eu sei que você queria apenas uma aventura matinal mas, a verdade e’ que estou 
   super atrasada para o meu estagio na Bolsa de Valores e, se possível gostaria que
   você me levasse ate’ la’. Confessou Betty.
-  Sem problema! Respondeu o homem gentilmente.
-  Você não se importa? Indagou Betty.
-  Claro que não! Se posso te ajudar, fico feliz.
   Betty ficou, de certa maneira surpresa, passando a prestar mais atenção ao seu motorista ocasional. “E’ simpático!” Pensava, olhando bem para ele. “Tem um sorriso inocente... Vai ver e’ o maior comilão... Lobo em pele de cordeiro... Esses caras são perigosos... Se estivesse de bobeira não sei se dava para este cara... Puxa! Olha o tamanho do pe’ dele...  Esse cara e’ perigoso... Ainda bem que estamos quase na Praça XV ...”
   Assim que chegaram ao destino, Betty, instintivamente, meteu a mão na bolsa, rasgou um pedaço da primeira folha de papel que encontrou, puxou uma caneta, escreveu seu telefone e falou: “Me liga! Por favor, me liga...
   O homem pegou o papel displicentemente, agradeceu e arrancou o carro sem nem olhar para traz o que, de certa maneira, a incomodava ja’ que, ao invés de correr para poder compensar o atraso, havia ficado ali estática, no mesmo lugar, esperando pelo aceno ou olhadinha, o que não aconteceu
   Assim que tomou consciência de sua atitude pensou: “Sera’ que estou maluca? E se esse cara for um pervertido, um assaltante? Não! Ele não tem cara de assaltante. Parece ate’ inocente... Sera’ que ele vai me ligar?”
   Betty não estava nem se reconhecendo. Um estranho, que nunca mais veria em sua frente, não merece seu tempo. Pelo menos havia conseguido seu objetivo, embora atrapalhando o do outro... “E se ele não conseguir pegar ninguém hoje?” Pensava... Agora, alem de tudo, estava se condoendo por aquele desocupado que, `as oito da manha, ja’ procurava o que comer...
   Duas semanas apos aquela carona providencial, ela estava definitivamente convencida de que aquela estranho não a procuraria. Se serve de consolo, pensara, pelo menos me ajudou quando eu precisava.
   Betty estava realmente muito ocupada. Conciliar os estudos com seu estagio não era tarefa nada fácil. A Bolsa de Valores era, por si, so’ um ambiente muito estressante... Quase não tinha tempo para estudar mas, fazia o possível...
   No terceiro mês, desde que começara a trabalhar paralelamente aos estudos, estava realmente cansada. Naquele final de semana havia decidido, inclusive atendendo sugestão de seus pais, ficar em casa sem fazer nada, assistindo televisão e dormindo.
   Naquele Domingo `a tarde, acabado de despedir de seus pais, apos recusar um convite para jantar fora quando o telefono tocou.
 Três meses! Você me liga depois de três meses? O que você acha se eu desligasse o
   telefone na tua cara agora mesmo? Respondeu Betty, apos saber com quem falava 
   ao telefone.
 Não estou a fim de sair hoje. Estou muito cansada mas, se você quiser nos
   encontramos na porta do meu edifício para conversar um pouco. Disse Ela, agora
   menos agressiva.

   Em menos de uma hora, la’ estava aquele mesmo homem que a havia conduzido `a cidade. Ao vê-lo se aproximar, ainda de longe, pode notar que ele era mais alto do que pensara. Seu andar também era bastante assertivo, parecia ser confiante, certamente não era nenhum garotão... A medida que se aproximava, sua fisionomia se tornava mais nítida, como uma imagem distante sendo focalizada em um câmera fotográfica. Era simpático... Aos poucos, as primeiras conjeturas formadas ao longo daqueles dias em que aguardara um telefonema foram se desfazendo `a medida que aquele estranho se aproximava.
   Finalmente...
-  Boa noite, como esta’ você? Disse o homem.
-  Pensei que você não fosse me procurar mais... Retrucou Betty.
-  Desculpe! Meu nome e’ Brolha. Quer dizer, meu apelido. O nome e’ Brasilino.
-  Brolha! Apelido de Brasilino? Perguntou ela, sorrido, agora completamente
   descontraída.
-  Brasilino Olegário Hass. Duas letras de cada nome... Esclareceu Brolha.
-  Puxa vida! Pensei que nunca mais ia te ver... Disse Betty.
-  Bem, primeiro deixa eu esclarecer... Naquele dia em que te dei carona, estava
   testando um carro da oficina em que trabalhava como mecânico. E’ claro que não
   deveria ter te dado carona mas, não pude resistir. Você e’ a mulher mais linda que ja’
   vi em toda minha vida. Não achei que você perderia tempo com um mecânico. Fis um acordo
   comigo mesmo que so’ te procuraria se pudesse conseguir um emprego descente... Agora, pelo
   menos, estou trabalhando no BNDES. Justificou Brolha.
-  Não mudou nada! Você e’ a mesma pessoa, so’ que tem um outro emprego. Disse  
   ela.
-  Não sei! Estava envergonhando em te procurar. Foi preciso muita coragem para
   chegar ate’ aqui... Ponderou Brolha.
 - Você e’ sempre tao honesto assim? Disse Betty.
-  E’ a verdade! Se fingisse disfarçar ou tentar passar por quem não sou, você acabaria
   descobrindo a se decepcionaria comigo, findando assim a chance que teríamos, caso
   nos entendêssemos. Falou ele.
-  Você quer subir? Convidou Betty.
-  Não sei se e’ apropriado... Você mora so’? Indagou Brolha.
-  Não! Moro com meus pais mas eles saíram... Gostaria que você subisse para que 
   quando chegassem, pudesse te apresentar...
 - Você não acha que esta’ se apressando um pouco? Afinal, acabou de me conhecer...
   Disse Brolha.
-  Você e’ um bandido?
-  Não!
-  Assaltante?
-  Não!
-  Sera’ capaz de fazer mal a alguem?
-  Claro que não!
-  Vamos subir?
   Betty realmente não estava se reconhecendo. Parecia que conhecia aquele estranho ha‘ muito tempo. Estava absolutamente confiante.
   Brolha, por sua vez, mal estava acreditando no que estava acontecendo. Se Betty soubesse que so‘ o fato de estar a seu lado, sentir seu perfume, poder olhar de perto sua figura maravilhosa, o deixava tao nervoso que nem tinha coragem de chegar muito perto dela, certamente ficaria muito mais confiante do que ja‘ estava.
-  Olha! Pelo que vejo, pelo local onde mora, você deve ser muito rica. Pela tua beleza, 
   desenvoltura, deve ter muitos admiradores. Eu sou pobre, simples, moro em Bangu
   e, praticamente, não tenho onde cair morto.
-  Quanta bobagem! Primeiro, não estou te pedindo em casamento, so‘ para te
   apresentar a meus pais... Gosto que eles sempre saibam com quem ando e onde
   estou. Segundo, não preciso de ninguém para me sustentar. Realmente, meus pais
   tem o suficiente para me manter ate‘ eu poder tomar conta de mim mesmo. Sou
   independente e não tenho culpa de ter nascido rica.
-  Desculpe! Não quis te ofender...
-  O negocio e‘ o seguinte! Não sei porque, gostei de você... Pode ser que venhamos a
   ser o casal mais feliz do mundo. Pode ser que isso não de em nada... Mas, se não
   tentar, nunca vou saber se o que sinto e‘ apenas enfatuação. amorosa ou algo mais.
   Agora, cabe a você decidir se vai dar uma chance ao destino ou vai fugir, com o rabo
   entre as pernas... Disse Betty, em tom de brincadeira mas, falando seriamente.
   Brolha olhou para ela, com o coração. saindo pela boca, doido para “dar uma
mordida na carne fresca”, cocou a cabeça, deu mais uma olhada e ao abrir a boca
para responder ouviu:
-  Porque vocês eatão aqui na rua? Vamos la‘ pra cima, sua mãe faz um cafe‘ e você
   nos apresenta a seu amigo... Disse o pai da moça que acabara de chegar...
   Brolha não precisou responder... Ela agarrou o seu braço, abriu o maior sorriso, seu
 “amigo” olhou para ela, sem entender o que aquela linda jovem havia visto nele e,
 feliz, da vida, aceitou mais um “presente” que o destino lhe oferecia; o amor de Betty.



Copyright 2013 Eugenio Colin