domingo, 18 de agosto de 2013

OLINDA PIROCA





       
                                                       Olinda Piroca






 -  Aqui esta’ o meu cartão! Qualquer problema me liga, a qualquer hora. Para casa, pro
    celular... Toma cuidado... Disse Delegado Pacifico ao liberar Olinda depois da noite
    que passara na delegacia.
    Nada passava porem de uma encenacao...
    Olinda era uma prostituta que “trabalhava” na Cinelândia, Rio de Janeiro.
    As regalias das quais desfrutava provinham do fato de ser ela uma especie de informante secreta da policia.
    Olinda não admitia uso de drogas. Por “clientes” ou por outras “companheiras de trabalho”. Se soubesse que alguem estava usando ou traficando drogas, não exitava, descoibria uma maneira de se comunicar com a policia.
   Pacifico uma vez ate’ lhe disse que sua maior frustração era não poder tornar publico o excelente trabalho que ela fazia nas noites cariocas.
   Piroca era um apelido que as outras lhe deram, devido ao fato de ser a mais procurada ou requisitada por todos os que com ela passaram algumas horas ou pelos que sabiam de suas habilidades profissionais.
   Olinda nunca se oferecia a um cliente em potencial. Tinha uma maneira única de chamar atencao sem ser percebida. Deixava seu cliente achar que estava conseguindo mais uma conquista. A esta altura, depois de alguns anos, estava mais segura em sua profissão. Seu alto preço, por si so’ se encarregava de selecionar seus “admiradores”. Nunca repetia um encontro. Aquele que com ela sentisse um prazer indescritível, segundo alguns deles, por aqueles poucos minutos podiam se despedir da experiência para sempre. Nunca mais teriam oportunidade de experimentar `aqueles momentos novamente. Talvez, por isso mesmo, toda aquela áurea em relacao `a Olinda.
   Olinda morava em Paqueta’, em mua casa pequena e charmosa na Praia da Moreninha.
   A ideia havia surgido depois de ler o romance de Joaquim Manoel de Macedo. Quando terminou de ler, estava tao curiosa a respeito daquele lugar paradisíaco tao bem descrito que resolveu um dia ir ate’ la’ para conhecer. Trabalhou dois anos ate’ ter o suficiente para comprar uma casa que a havia encantando quando la’ esteve de visita. Alem do mais, morando em Paqueta’, tao longe da “civilizacao”, ninguém saberia de sua profissão que a envergonhava tanto.
   Essa "vergonha" começou quando seu namorado, que na época pensava ser o amor de sua vida, a “vendeu” a um amigo para pagar uma divida de jogo. Quando ela se recusou ouviu: “Se você realmente me ama, faz isso por mim...”
   Aquilo a matou sentimentalmente. Decidira então seguir dando “provas de amor”, so’ que agora, ela era quem usufruía do preço pago pelo amor que vendia.
   Nos finais de semana porem, em Paqueta’, tudo era diferente. Para seus vizinhos, amigos e todos que conhecia em Paqueta’ ela era dona de uma lanchonete ambulante numa das ruas mais movimentadas do bairro do Meyer. Aos Sábados, cuidava da casa, ia `a praia e nos Domingos, nunca perdia uma missa, onde conversava com Deus, pedia perdão pelo que deliberadamente fazia, pedia uma alternativa `aquela vida e, mentalmente se preparava para o que a esperava na semana que se iniciaria no dia seguinte. A única coisa que a consolava um minimo era o fato de, por causa de sua situação privilegiada de observadora da noite sem despertar suspeitas, poder ajudar a combater o que mais repudiava... Drogas!
   Em toda sua carreira profissional aconteceram apenas duas excessoes `a regra de não repetir clientes...
   A primeira foi quando conheceu Tiers Voleur, um homem, muito mais jovem do que ela, quem lhe deu uma carona um dia sem saber que ela era uma prostituta. Todas as vezes em que se encontravam conversaram por horas. A ele, Olinda havia dado seu numero de telefone. Encontravam-se todas as vezes em que Tiers a convidava ate’ que, tentando tomar rédeas dos acontecimentos e, não querendo iludir o rapaz que, talvez por um pouco de Inocência, nunca havia percebido que estava se envolvendo com uma vendedora de amor, contou a respeito do que fazia para “ganhar a vida”.
   Quando soube, ficou tao triste que, imediatamente a levou de volta ao mesmo lugar onde a havia encontrado e dali saiu, quase chorando de tristeza.
   No dia seguinte voltou. Olinda aceitou seu convite. Desta vez conversaram a noite inteira. Naquela mesma noite, sem a conhecer por muito tempo a havia pedido em casamento. Naqueles encontros não haviam trocado um beijo, não haviam tido relaçãos sexuais, apenas trocaram caricias ternas e intensas.
   Na verdade, talvez Olinda não se sentisse digna daquele rapaz, talvez não se sentisse digna de ter uma vida normal. Se sentia suja. Antes de mais nada, em sua mente, antes de se entregar a alguem, de verdade, teria que se purificar, se livrar daquele carma que a acompanhava e perseguia tao implacarmente.
   A segunda vez, na qual quebrou outra de suas “regras”, estava indo para casa, em uma Sexta-feira, ja’ pensando no final se semana que a aguardava quando viu, na barca quase vazia que a conduzia `a ilha, um homem, este um pouco mais velho do que Tiers. Pela primeira vez abordou um “cliente”. Sentou-se a seu lado e, quando “acidentalmente” encostou seu braco no dele, este olhou para os lados e constatou que a barca estava praticamente vazia. Este sim, tinha ela certeza, sabia que ela era uma “dama da noite”. Começaram a conversar displicentemente. Soube que seu nome era Brolha. Achou muito engraçado, mesmo depois de saber que se tratava de um apelido. Gostou tanto daquele homem que não teve coragem de propor nada. Ficou foi surpresa quando soube que ele estava indo ate’ Paqueta’ para “penetrar” em um baile que seu conjunto preferido animava.
   Providencialmente soube que ela era sócia do clube e, assim sendo poderia leva-lo como acompanhante.
   Brolha era muito engraçado. Contava piadas, dançava como poucos. Alias, fazia muito tempo que Olinda não dançava. De repente começou a se sentir extremamente feliz. Por algumas horas esqueceria de todas as incongruências que eram parte inerente de sua vida.
   Olinda, como sempre, estava muito bem vestida. Brolha, parecia um príncipe. Calca azul escura, um summer branco, camisa plissada, faixa e tudo que um traje a rigor tinha direito. Quem visse aqueles dois diria que eram namorados, apaixonados, se reparassem na exuberância de suas fisionomias.
   A noite corria como um cometa `a procura do destino. Olinda fumava, vicio que no inicio era apenas uma maneira de parecer mais elegante mas que, com o tempo, se impregnou em sua personalidade. Lutava porem para que a crueza de sua vida, como o cigarro não fizesse o mesmo.
   Brolha não deixou, naquela noite, de acender os cigarros de Olinda nem por uma vez. Ela se sentia, ao lado de seu companheiro ocasional, como uma princesa. Alias, Paqueta’ era, para ela, um paraíso. Tudo era bonito, simples, descomplicado.
   A musica era maravilhosa, o parceiro, alguem que nunca havia conhecido igual, o ambiente alegre a fazia esquecer que ela raramente pertenceria `aquele quadro.
   Nem se lembrava que dançava tao bem... Foi Brolha que, a certa hora, com ela em seus bracos falou bem baixinho ao seu ouvido. “Nunca vi ninguém dançar como você.”
   A noite foi indescritível, aparantemente para eles dois. Eram quase quatro horas da manha, perto do baile terminar quando uma chuva torrencial lavava a ilha. Ninguém saiu do clube quando o baile acabou. Os dois sentaram em um banco, no salão de bailes e continuaram conversando, ignorando a chuva, tentando esticar a noite maravilhosa prestes a findar.
   Somente `as seis da manha, agora uma chuva amena, os funcionários do clube disseram que teriam que ir embora.
   Brolha, cavalheirescamente tirou seu paleto, cobriu a cabeça e as costas de sua companheira e a acompanhou ate’ sua casa.
   Em la’ chegando, Olinda ofereceu preparar um cafe’ da manha para eles. Ao saber que Brolha gostava de mandioca, resolveu preparar uma de suas especialidades culinária; bolinho de mandioca recheado de carne moída com muzarela e molho de tomate, servido em um pratinho em forma de barca sobre alface, repolho e cebola, cortados em tirinhas, misturados com batata palha.
   Ao provar aquela iguaria, ficou admirado... “Isto e’ uma refeição completa, que maravilha!” elogiou. Mas, apesar de toda aquela euforia, de todos os momentos maravilhosos que ainda estava vivendo, sabia que Brolha não era para ela. Não ousava se permitir sentimentos tao complexos como o amor. Alem do mais, não sabia porque, ele não demonstrou o menor interesse em sexo, ou romance ou qualquer outra coisa a não ser mostrar a ela o que era ser tratada com respeito, carinho, atencao, como se estivesse revelando o que seria uma relação normal entre um homem e uma mulher.
   Ao se despedir, ao ver que Olinda abracava aquele paleto’ como se fosse um trofeu, Brolha ofereceu que ela o guardasse como lembrança de uma noite, para ele também, maravilhosa.
   Olinda deu um beijo carinhoso no rosto daquele estranho que sabia nunca mais iria rever...

   Mas, apesar de lembranças esporádicas que mostravam a outra face de sua cruel realidade, a vida seguia. Olinda ja’ estava acostumada com o que enfrentava. Havia criado mecanismos que a protegiam e a ajudavam a sobreviver.
   Um dia porem, em uma noite fria e chuvosa, condicoes inconstantes nas noites Cariocas, viu um jovem atravessar correndo a Avenida Rio Branco, bem em frente ao Teatro Municipal. Logo em seguida, um carro em alta velocidade parava, bem em frente dela e, pela janela que parcamente se abrira, uma rajada de tiros de metralhadora. De inicio, sem entender o que acontecia, procurava o motivo daquele ataque violento que acabara de sofrer. Pouco depois, talvez despertada pelo barulho e cheiro de fumaça de pneus queimando o asfalto ainda molhado, apos ter mentalmente fotografado a placa daquele carro, constatou que não estava ferida. Olhando um pouco mais `a frente, pode perceber aquele jovem que ha’ alguns segundos havia cruzado sua frente, cambaleante cair na calcada, coberto de sangue. Imediatamente correu em sua direção. Pelos olhos entre-abertos pode ver uma lagrima descer suavemente enquanto ele tentava balbuciar algo. Imediatamente ligou para o SAMU, logo depois para Delegado Pacifico. Ao sentir que o rapaz fechava os olhos, como desistindo da batalha pela vida que acabara de começar, uma bofetada violenta o acordava, fazendo com que arregalasse os olhos, talvez procurando entender o que estava acontecendo. Assim que foi socorrido, fez questão de saber para onde seria levado. A ambulância deixava o lugar com as sirenes estridecendo o silencio da madrugada enquanto ela no mesmo lugar esperava pelo Delegado.
   O numero da placa e a descrição daquele carro foi o suficiente para que aqueles criminosos fossem descobertos e detidos, em menos de três horas.
   No hospital, aguardava impacientemente por informacoes sobre o estado daquele rapaz. Com o auxilio do Delegado Pacifico foi possível descobrir o endereço da família daquele jovem a qual foi visitar, na manha do dia seguinte.
   Aos pais daquele jovem, descreveu o acontecido. Não escondeu nada. Confessou que era uma prostituta e que por isso estava naquele local `a hora do ataque. Seus pais não sabiam que o “menino” estava envolvido no mundo das drogas, embora suspeitassem de algumas de suas atitudes e reacoes.
   Pode notar, pela casa humilde e vestuário que se tratava de uma família muito pobre. Se ofereceu as acompanha-los ao hospital para que pudessem visitar o filho.
   La’ encontrou-se com Dr. Pacifico que aguardava que o menino deixasse a UTI para poder interroga-lo.
   Apos apresenta-los aos pais do rapaz, apos breve conversa, implorou ao Delegado que não abrisse inquérito. Jurou que se responsabilizaria pelas atitudes do menino se ele, porventura conseguisse se recuperar.
   Foram três dias, vivendo na sala de espera daquele hospital onde Olinda se encarregava de manter vivas as esperanças daquele casal que mal conhecia.
   Na manha do quarto dia, finalmente o cirurgião procurava pelos responsáveis por aquele menino. Olinda se apresentou como tia, ao lado dos pais que la’ também estavam.
   O medico explicou que retirou nove balas de seu corpo, uma porem provocou uma lesão seria em uma das pernas que jamais recuperaria os movimentos totais.
   Assim mesmo, todos ficaram enormemente agradecidos por aquela vida resgatada.
   Dois dias depois aquele jovem tinha alta e estava a caminho de sua casa. Olinda fez questão de acompanha-los `ate em casa onde esclareceu ao jovem porque ele não estava preso e com sua vida destruída para sempre. Ao tomar conhecimento dos detalhes sobre o episodio, ainda mancando e com muitas dores fez questão de se dirigir a Olinda e a abracando com carinho prometer que jamais se envolveria com drogas e que daqui por diante tomaria conta de seus pais e nunca mais os faria sofrer.
   Olinda saia dali feliz e realizada. Havia aprendido na crueza das ruas a distinguir verdades e mentiras. Tinha certeza que aquele menino havia feito uma promessa verdadeira.
   Andes de sair, o rapaz pediu para tirar uma foto de Olinda que dias depois emoldurou e exibe com carinho naquela sala de estar da casa onde mora.

   So’ depois de quatro dias exaustivos Olinda voltou a Paqueta. Aquele resto de semana não saíra de casa. Descansou, foi a praia, refletiu sobre sua vida, sobre o risco que corria diariamente ao se entregar a um homem desconhecido que poderia ser qualquer um, alguem como um dos que tentaram matar aquele jovem.
   A semana foi repleta de lembranças de toda sua vida. Fazia mentalmente um apanhado geral desde dos tempos de menina, seu primeiro namorado na escola, um menino franzino, de óculos  rejeitado por todas suas colegas a quem ela um dia se dirigiu e disse: “Quer me namorar?” Pensando bem, nunca conseguira entender se realmente gostava daquele menino, em sua mente inocente e infantil, ou se queria apenas ajuda-lo a recuperar sua auto-estima...
   Pensara também em Trubufu, o homem a quem havia se dedicado de corpo e alma, o mesmo que a “vendeu” para pagar uma divida.
   E’ claro que hoje, depois de tantas experiências muito mais significativas, tristes, reais, todos aqueles acontecimentos de sua juventude poderiam ser entendidos por uma perspetiva mais realística, menos romântica. Mesmo o homem que a traiu tao cruelmente havia sido esquecido e colocado no contexto real da realidade que atualmente vivia. Havia entendido, com o passar do tempo, que todo aquele amor que uma vez sentira existia apenas em sua imaginação.
   Tiers poderia ter sido seu grande amor mas, era tao jovem, tao inocente...
   Brolha! Este sim, havia sido o homem que mais admirara, em toda sua vida. Talvez pela circunstancia em que se conheceram, talvez por sua alegria, bondade, descontração, gentileza, respeito com que a tratara, mesmo tendo conhecimento de sua “profissao”, atitudes raras no mundo em que diariamente vivia. “Como ele dançava bem...” Lembrava.

   Na próxima segunda feira telefonou para Dr. Pacifico, solicitando um encontro.
   Em seu escritório informou que estava deixando as noites da Cinelândia. Decidira que era tempo de “salvar” sua vida antes que algo aleatório a destruísse.
   Dr, Pacifico não poderia ter ficado mais feliz. Informou também que com a informação dela recebida a respeito daquela ocorrência, foi possível desmantelar um dos maiores carteis de trafico de drogas, com ramificacoes poderosas em vários estados do pais e ate’ mesmo no exterior.
   Ao se despedir, o delegado segurou a mão de Olinda respeitosamente, a beijou com carinho e disse; “Que Deus a proteja sempre. Foi uma honra enorme te-la conhecido. Viva em paz, minha filha.”
  
   A primeira semana em Paqueta’, apos ter se “aposentado” foi monótona e arrastada. Em uma manha porem, ao arrumar suas roupas em um armário viu o Summer que Brolha, um conhecido fortuito de apenas uma noite, havia presenteado. Por associação de ideias lembrou daquela manha em que lhe serviu desjejum.
   Fechou seu armário, arquivou seus pensamentos momentaneamente e saiu correndo de casa em direcao `a estacão das barcas.
   Em poucas horas ja’ havia traçado seus planos futuros.
   Resolvera, durante a semana, abrir uma pequena venda ambulante, na estacão das barcas onde venderia seus famosos bolinhos, uma refeicao completa, como diria o slogan que seu cart exibiria. E’ claro que nunca mais teria a mesma renda que a ocupação da qual se aposentara lhe fornecia mas, teria paz, tranquilidade.
   Nos finais de semana poderia passear no Rio ou, da sacada de sua casa admirar a praia da moreninha...
   Ela começaria agora o seu ato de contrição. Queria se redimir, recuperar sua dignidade que, na realidade nunca havia perdido... Se purificar e estar preparada para, um dia, quem sabe, encontrar alguem como Brolha, ou Tiers e, desta vez então, sem vergonha ou reticencias, poder encontrar-se novamente com  aquele amor que uma vez sentira, infelizmente, pela pessoa errada, se realizar como mulher, sentindo-se verdadeiramente, pela primeira vez, como Olinda Piroca.




Copyright 2013 Eugenio Colin

  

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