quarta-feira, 29 de outubro de 2014

COSTELA NO BAFO








                                                          Costela no Bafo







   Raimundo Ramado era um amante da culinária mineira...
   Gostava tanto da gastronomia regional que depois de alguns anos visitando regularmente as cidades do sul de Minas e gastando uma grana filha da puta em hotéis  decidiu comprar uma casa em uma das cidade que costumava visitar.
   Não queria saber de Caxambu. Ouvira dizer que as águas minerais da cidade faziam com que os homens virassem bichas, boiolas como se diz hoje em dia. Gostava de Lambari mas, ouvira dizer que, na cidade, as moças novas assaltavam sexualmente os homens de mais idade. Não necessariamente uma desquapólificação mas, Raimundo era bem casado e, além do mais nunca teve coragem de encarar Raimunda, sua esposa, boa pra cacete, tarada pra cacete, brava pra cacete, macho pra cacete... A última coisa que nosso herói queria era aborrecer sua amada, a menos que tivesse perdido, por completo, seu amor `a vida.
   Em uma viajem de alguns dias a Cambuquira, achou a cidade muito pequena, embora tenha gostado muito. Gostou também de Campanha, cidade histórica, repleta de casarões antigos mas, sem atração nenhuma, a não ser a arquitetura colonial...
   Por eliminação, resolveu compra uma moradia em São Lourenço, cidade um pouco maior, dona de um parque de águas capaz de fazer inveja a qualquer cidade europeia. Ruas limpas, população alegre e hospitaleira, estrategicamente localizada entre o Rio e São Paulo, aliás, perto de todas as outras cidades do circuito da águas da região.
   Resolvido! Com a aprovação de Raimunda, Raimundo comprou uma casa com a qual  ja' havia se encantado, em uma das viagens anteriores.
   Agora, com ambos finalmente aposentados, poderiam viver em sua casa no Rio de Janeiro, ou na casa da família de sua esposa em São Paulo ou na nova residencia em São Lourenço.
   A primeira providência, naturalmente era limpar, pintar e mobiliar a casa, tarefa fácil, se contarmos que, o que os dois tinham de tralha dava para mobiliar umas dez casas daquela.
   Depois de um mês de trabalho incansável, finalmente o “ninho” estava pronto para ser habitados pelos dois urubuzinhos... E’ verdade! Tinham deixado de ser pombinhos há muito tempo. Raimundo ate' que não era dos piores mas, Raimunda... Essa sim fazia jus ao nome; feia de cara e boa de ... bondade mesmo. Mas, o importante e’ que os dois se entendiam `as mil maravilhas. E’ claro que o pobre o marido não tinha opção mas, não importa... Viviam bem e pronto!
   Naquele dia, em que haviam terminado seu trabalho, decidiram almoçar fora.
   O único restaurante que ja' conheciam estava localizado na rua principal da cidade. Se arrumaram, fecharam a casa e la se foram.
   Decidiram andar ate' o local escolhido. Não era longe! Aliás, nada era longe naquela cidade de pouco mais de cinquenta quilômetros quadrados...
   Andando de mãos dadas, felizes com sua nova vida de vagabundagem bem merecida, olhando para os lados, Raimundo quase tropeça em um cartaz, acintosamente postado no meio da calçada... “Costela no Bafo”, dizia o poster.
-  O que sera' isso? Parece bom! Quer experimentar? Disse ele para sua esposa.
-  Vamos perguntar do que se trata antes? Sugeriu a esposa.
   Depois de ouvirem alguns detalhes da preparação da iguaria, resolveram provar.
   O aroma era maravilhoso. Quando viram a apresentação do prato, imediatamente descobriam que haviam feito a escolha certa. Alguns minutos depois, ao término da refeicao, regada de uma pinga local “da melhor qualidade”, não resistiram e, os dois fizeram questão de parabenizar ao dono do estabelecimento pela melhor costelinha de porco que jamais haviam degustado.
   Tudo havia sido perfeito! A única coisa que chamou atenção de Raimundo e Raimunda foi um homem enorme, quase dois metros de altura, de pe' ao lado da entrada da cozinha. Imóvel! Não ria, não falava... Ate' seu olhar era fixo em um ponto futuro bem `a sua frente...
-  Deixa pra la' mulher! Vai ver e' o segurança do restaurante. Disse Raimundo `a sua esposa.
  “ O dia não poderia ter sido melhor”... Concordaram um com o outro ao se deitarem para dormir.
   Mais alguns dias na cidade e voltaram ao Rio para cuidarem de algumas pendencia e, ao mesmo tempo, ajustar tudo, em acordância com a nova vida pela qual optaram.
   Em menos de uma semana estavam de volta `a São Lourenço. A cada chegada, assim que avistavam as primeiras casas da cidade, a emoção era grande, como se nunca ali estivessem estado.
   Depois de dois dias de passeios pela cidade, resolveram dar uma “esticada” ate' Caxambu. Assim que chegou na cidade Raimundo olhava preocupado... Não queria saber nem de pisar em água.
   Na hora do almoço, quando sua esposa pediu uma garrafa de água mineral para acompanhar a refeicao, seu marido disse:
-  Você vai beber isso?
-  Claro! Estou com sede... Vou comer pururuca `a seco? Não da' ne'!
-  Mas dizem que ela faz homem virar bicha. Disse Raimundo em voz baixa.
-  Primeiro, eu não sou homem. Segundo, você não jurou “na alegria ou na pobreza, na
   saúde ou na doença"?
-  E’ mas nunca prometi na normalidade ou na bichice...
-  Como e’ que eu vou virar bicha se eu sou mulher? Respondeu Raimunda...
-  Sei la’! E se você virar homem?
-  Se eu virar homem vou fazer com você a mesma coisa que você faz comigo, mesmo quando
   reclamo que não aguento nem sentar...
-  Seja o que Deus quiser! Ponderou Raimundo.
   O dia foi agradável, a refeicao foi boa mas, nem se poderia comparar com aquela que haviam provado em sua cidade.
   No dia seguinte, ja' com saudades, resolveram almoçar no “Recanto do Lelê”, aquele restaurante no qual dias atrás havia provado o melhor almoço de suas vidas...
   Desta vez parecia que estava melhor ainda. Tudo perfeito... Ate' o tal do gigante estava la' no mesmo lugar, como uma estátua, olhar fixo, atitude amedrontadora. Desta vez Raimunda ate' perguntou ao dono, ao cumprimenta-lo mais uma vez, agradecendo pela excelência, se ele poderia dar a receita. E’ claro que Seu Lelê se negou, alegando que se tratava de segredo de família.
   O tempo passava e, pelo menos duas vezes por semana la estavam Raimundo e sua esposa Raimunda degustando sua favorita costela no bafo, regada de uma pinga local, “da melhor qualidade”... Agora, já fazia parte do calendário gastronômico do casal; Terça e Sexta, dias de “Recanto do Lelê”. A esta altura ja' nem estranhavam mais o tal do gigante, sempre no mesmo lugar, como uma estátua...
   No dia em que fez um ano de visitas semanais ao restaurante do Seu Lelê, Raimunda, que não era muito de bebida, tomou tanta pinga “da melhor qualidade” que começou a insistir com seu marido para pedir a receita da tal costelinha... A mulher estava fissurada no prato... Tinha que saber o segredo. Agora era uma questão de honra.
   Raimundo, mais acostumado a controlar os efeitos do álcool, ponderava com a esposa que não era preciso saber como cozinhar aquela maravilha da cozinha local. O restaurante estava, praticamente ao lado da casa onde moravam e, cá entre nos, era muito mais fácil sair para comer fora do que empestear a cozinha de gordura...
-  Me larga! Esse puto vai ter que me dar a receita... Hoje, do jeito que eu tô, sô capaz
   ate’ de cobrir o gigante de porrada. Vociferou Raimunda, enquanto era contida por
   seu marido que tentava mante-la sentada `a mesa.
-  Ta bem! Fica aqui quietinha que eu vou falar com o homem... Disse Raimundo.
-  Mas nunca! Você pode ate' falar com o cara mas, eu quero ta' la junto pra ouvir. Disse a esposa 
   gesticulando mais do que cantora popular na  década de sessenta.
   Raimundo, pacientemente ajudou a esposa a se levantar, e com ela a tiracolo foi em direção ao dono do estabelecimento.
-  Seu Lelê, o negócio e' o seguinte: minha esposa aqui bebeu demais e cismou que o senhor vai ter
   que dizer qual o segredo desta costela maravilhosa...
-  Seu Lelê, eu prometo que nunca vou fazer este prato. Só quero saber de onde vem tanto sabor...
   Conseguiu ela, a duras penas, falar com o anfitrião.
-  Ta bom! Vocês são fregueses constante, amigos queridos e, por isso mesmo eu vou dizer...
-  Mui brigado Seu Dono! Mui brigado!!! Disse Raimunda, literalmente pendurada no braço do
   marido.
-  Tempos atrás, antes de vocês começarem a frequentar meu restaurante, um dia fiz uma pergunta ao
   Juvenal, aquele cara grandão que fica sempre parado `a porta da cozinha... `Aquela época ele era
   novo na casa e, quando me respondeu, eu quase morri. O cara tinha um mal hálito horrível. Nesta
   mesma hora, enquanto ele me respondia, um garçon passou com uma bandeja de costelinha bem `a
   frente daquela boca bafuda... Quando eu corri atrás do funcionário, tentando impedir que ele
   servisse aquela costela ao cliente, ja' era tarde. O homem ja’ tinha dado a primeira mordida e
   quando me viu aproximando, me pegou pelo braco e disse: “excdelente, esta costelinha. O senhor
   esta' de parabéns”... Depois disso, comecei a treinar o Juvenal a dar uma baforada discreta em todos
   os pratos que servimos e, o resultado, e' o que vocês conhecem...
-  Incrível! Respondeu Raimunda
-  Isso e’ verdade? Indagou Raimundo.
-  Claro! Mas e’ feito com toda discrição, assim que temos uma certa quantidade de costelas para
   serem preparadas, e dentro da cozinha, para que ninguém saiba, ou veja...
   Os dois saíram satisfeitos com a explicacao, ou enojados... Se voltariam ao restaurante? So' os próximos dias diriam...
   O mais importante e' que seu Lelê, aproveitando-se do fato dos dois estarem bêbados, como poucas vezes viu, achou que seriam capazes de acreditar naquele absurdo.
   Ele preferia arriscar a perder clientes assíduos do que criar confusão em seu restaurante ou, pior ainda, ter que revelar o segredo de suas famosas “Costelas no Bafo”.









Copyright 10/2014 Eugenio Colin

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