segunda-feira, 7 de abril de 2014

BUNDA DE FORA








                                                          Bunda de Fora





 -  Olha aqui sua piranha, a próxima vez que chegares aqui a esta hora, vais voltar para casa de uma
    vez por todas. Deu pra entender?
    Marinete apenas abaixou a cabeça... Não queria abusar da sorte. Embora não fosse o sonho profissional de sua infância, também não podia reclamar. O ambiente era hostil e extremamente competitivo mas, o concreto e’ que conseguia fazer muito mais do que precisava para se manter com dignidade...
   Sem pensar muito no acontecido, tratou de se despir a começar a trabalhar...  O “After Hours”, nome daquele “estabelecimento”, em pouco tempo ficou famoso por toda cidade... Estava localizado em um dos pontos mais tradicionais da Lapa, no Rio de Janeiro . O problema e’ que ninguém conseguia pronunciar aquele nome corretamente... “Aftosa”, “A Furiosa”, “Afterous” eram alguns dos atendados em acertar aquele nome esquisito. Mas, quase na calcada, havia um minusculo bar onde os que não tinham dinheiro para entrar ficavam sentado em mochos vendo as mulheres peladas em uma televisão grande. O espaço era tao minusculo que os assentos tinham que ser removidos das hastes que os sustentavam para que, no final da noite, as portas pudessem ser fechadas. Alem do mais, quem ali sentasse estava mais pra fora do que pra dentro. Por isso mesmo, aquela “casa de espetaculos”, com o tempo, ficou conhecido em todo bairro como “Bunda de Fora” o que, diga-se de passagem, e’ bem mais fácil de se pronunciar do que “Aforous”.
   Também combinava muito mais com as cenas mais comuns em seu interior. As “meninas”, tanto as dançarinas como as garçonetes, se vestiam apenas com um pequeno avental, frente única, com um bolso, amarrado na cintura. Se não fosse pelo avental e o sapato de salto alto, poderíamos dizer que estavam como haviam nascido, so’ que bem mais crescidinhas, e interessantes, e’ claro!
   Marinete era a mais bonita entre todas as dançarinas... Era loira, olhos verdes, corpo perfeito e, uma bunda capaz de amortecer uma queda de um prédio de cinco andares.
   As garçonetes usavam o bolso do avental pata guardar o caderninho de anotar pedidos... Ate’ telefones, `as vezes ali entravam... As dançarinas guardavam as gorjetas.
   Cada uma das dançarinas tinha seu fã clube particular, menos Marinete, embora fosse ela quem conseguia maiores gorjetas. Também, pudera! Pelo tamanho daqueles atributos... Todas as dançarinas espalhavam pelos clientes que ela era besta, metida a cheirosa. Mesmo sem nunca ter sido cheirada por ninguém... Pelo menos em publico. Diziam ate’ que ela so’ tomava banho uma vez por semana... Assim sendo, com o tempo tentavam não aplaudi-la ou lhe dar altas gorjetas...
   Mesmo assim, Marinete não se importava. So’ queria trabalhar e prover seu próprio sustento.
   Com o tempo, passou a prestar mais atenção em um senhor que ja’ havia visto na plateia algumas vezes.
   Depois daquele dia começou a reparar que ele ali comparecia quase todos os dias. Estava sempre com um cálice de vinho tinto meio cheio. Quando uma das garçonetes via que estava quase acabando, ia ate’ ele e completava o cálice.
   Alguns dias depois, Marinete se aventurou...
-  Posso sentar? Disse ela...
   Imediatamente o senhor levantou, puxou a cadeira para ela e, so’ depois de se cerificar que sua companheira estava confortavelmente acomodada, voltou a seu lugar.
   Marinete pode perceber que se tratava de um homem fino, educado, parecia ter muito dinheiro também, quando reparou que estava bebendo um vinho Francês que devia ser caro pra cacete...
   Depois que aquele cliente recusou uma dança particular em um dos quartinhos no fundo do estabelecimento, mantido para esta finalidade, começou a pensar se queria tirar dinheiro do coroa...
   Soube, pela sua “conversa investigativa” que era dono de uma industria mecânica de manutenção de aviões executivos particulares. Soube também que havia sido casado apenas uma vez e que era viúvo por quase vinte anos.
   Parecia ser muito esperto, ja’ que so’ falava sobre o que achava relevante ser informado `a sua “nova amiga”.
-  O senhor vem aqui sempre? Indagou ela.
-  Me chamando de senhor você mesmo esta’ podando a tua chance de me dar uma cantada e tomar o pouco que tenho... Respondeu o “senhor”.
   E’! Aquele ia ser difícil de levar no bico... Concluiu Marinete.
   Teria que mudar de tática... Ainda pensava na melhor maneira de agir quando viu seu nome sendo chamado ao palco para a próxima apresentação...
   Ao findar seu numero, depois de alguns minutos, se contorcendo como uma cobra num pau duro e comprido, se jogando ao chão como se estivesse morrendo de dores, voltando `a mesa de seu novo “amigo”, pode perceber que ela ja’ havia ido embora... Marinete se surpreendeu com a decepção sentida ao olhar para a mesa vazia que exibia o cálice ainda guardando um minimo de vinho sobre algumas notas deixadas como gorjeta.
   Sentou-se `a mesma cadeira onde alguns minutos atrás estava e tentava analisar seus sentimentos... “Porque estou triste? E’ so’ um cliente em potencial...”
   A noite terminava para Marinete como muitas outras... Sentada em seu camarim, contava seu dinheiro, se vestia e voltava para sua casa vazia de companhia e recordações significativas...
   Ela estava em um ponto em sua vida quando realmente não sabia o significado de tudo aquilo. As gorjetas diminuíam na mesma proporção em que e inveja das colegas de trabalho aumentava. “Nao e’ minha culpa se tenho boa aparência.” Justificava a si mesma, ao olhar-se em frente ao espelho e constatar que, apesar de sues quarenta e cinco anos, ainda era “muito gostosa”, como ouvira varias vezes em seu trabalho por  bocas alcoolizadas de alguns dos frequentadores que a patronizavam.
   Mas, de valia aquilo tudo? Era linda, jovial, uma ótima pessoa, tinha uma situação econômica relativamente tranquila e, apesar de tudo, sempre sozinha, nem se lembrava mais de quando teve o ultimo namorado. A única recordação que trazia daquele relacionamento
   Ela porem, estava resignada... Se era essa a vida que teria de viver, tentaria faze-lo da melhor maneira possível.
   A rotina se repetia mais uma vez; ligava a televisão, tomava um banho, esquentava algo leve para comer e quando o sono chegava ia com ele para cama...

   Embora sempre tivesse sido seu melhor dia para o que fazia, Marinete não sentia a minima vontade de trabalhar naquele Sábado. Estava mentalmente cansada, desiludida, decepcionada consigo mesma... Por vezes ate’ lembrava das palavras de sua mãe: “minha filha, sem instrução, a solução e’ usar seu bundão...” Palavras sabias que, especialmente nos últimos dias, a atormentavam enfaticamente.
   Pensando bem, concluíra Marinete, e’ melhor eu ir trabalhar do que perder este emprego...
   Nove horas da noite, e ela ja’ estava la’...
   A noite decorria como qualquer outra. A mesma rotina, as mesmas piadas, as mesmas cantadas... Dia apos dia, nada mudava...Tudo igual!
   “Aquele coroa não veio hoje...” pensava enquanto dançava, segurando no pau e olhando para a plateia, ofuscada pelos refletores que a iluminavam...
   Dançou uma vez, depois do descanso mais outra, e mais outra... Ate’ que os últimos “clientes” embriagados e “duros” deixassem a casa de espetáculos...
   Marinete, se arrumou, despediu de uns poucos que ainda não a odiavam e saiu...
   Alguns passos mais tarde, ja’ preparada para chamar um taxi, viu um carro preto, muito bonito, muito novo, estacionar bem `a sua frente. Não deu muita atenção...
   Esticava o braco tentando chamar um taxi quando ouviu:
-  Posso te levar?
   Era aquele cliente que sempre estava sozinho, com o qual ela falou apenas uma vez. Meia desconfiada, olhou para ele novamente... E’ claro que deveria aceitar a oferta... Ja’ havia ate’ sentido sua ausência...
   Saindo do carro, dando a volta e abrindo a porta para ela, num gesto cavalheiresco com o qual pouco estava acostumada, falou:
-  Onde posso te levar?
-  Podemos conversar um pouco e depois eu fico aqui mesmo... Respondeu ela.
-  Como você preferir...
   Sentado novamente no carro, o desconhecido se apresentou como Augusto Agostinho Agado... Ela não riu! Mas teve que dar uma segurada boa...
   Iniciaram uma conversa descontraída quando puderam entender um pouco sobre o outro, os planos futuros, suas realidades presentes...Trocaram confidências a respeito de um passado sofrido que pareciam compartilhar... Abriram o coração como se dependessem um do outro para suprir a solidão que os acompanhava.
   De repente, depois de alguns momentos de silencio e reflexão, Guto, como o “senhor” era conhecido pelos íntimos soltou a bomba...
-  Gostaria de passar a noite com você. Se você quiser...
-  Tudo bem! Respondeu Marinete, sem mesmo pensar... Atitude que surpreendeu a ela mesma.
   Dali saíram em direção `a casa de Guto.
   Atravessaram quase a metade da cidade em direção ao Alto da Boa Vista. Em la’ chegando, ao ver uma casa rustica, muito confortável, incrustada entre a pedra e a floresta, contrastando com as outras da rua, de um estilo completamente diverso, Marinete começou a pensar se havia tomado a decisão certa. Ao sair do carro e dos jardins da casa poder avistar milhares de luzes da cidade que clareavam outras historias, algumas possivelmente iguais `a que estava protagonizando, de repente se sentiu vulnerável. Guto porem, percebendo seu desconforto, tentando faze-la se sentir `a vontade comentou:
-  Veja! Se, a qualquer momento você quiser ir embora, e’ so’ me dizer. Te levo de volta.
   Aquelas palavras a acalmaram momentaneamente. Passearam um pouco pelos jardins da casa, ao entrarem, ainda conversaram um pouco na sala de visitas, ao som de musica suave, regada a champanhe importada.
   Começaram a trocar caricias singelas que se tornaram mais intensas em alguns minutos. Dai os beijos se tornaram  mais ardentes, as caricias mais intimas ate’ que Marinete, a esta altura completamente entregue e dominada sentia seu sexo sendo beijado com volúpia, o que a fez, literalmente, enlouquecer... A esta’ altura ja’ era “escrava” daquele “senhor”...
   Passaram a noite inteira se amando ardentemente ate’ quase quando os primeiros raios de sol anunciaria o dia seguinte.
   Eram mais de dez horas da manha quando Marinete acordou e não viu seu companheiro a seu lado. Por um instante ficou preocupada, sem saber o que fazer... “Devo ir embora?” Pensou...
   Ainda procurava por algo para cobrir seu corpo quando viu Guto chegar com uma enorme bandeja de prata com um cafe’ da manha completo. Frutas, cafe’ torradas, geleia, queijo, presunto, manteiga. Tudo o que tinha direito.
-  Não sabia o que você gosta, trouxe tudo o que encontrei... Disse Guto.
   Marinete olhava para aquele homem intrigada... Estava nervosa, sem jeito. Situação um pouco infamiliar para ela, sempre safa, pronta para uma reação.
   Reunindo coragem falou:
-  Posso te fazer uma pergunta?
-  Claro! qualquer coisa.
-  Quantos anos você tem?
-  Setenta e dois! Muito velho para você?
-  Você tomou alguma coisa ontem?
-  Tomei  champanhe com você. Não uso nenhuma droga recreacional, se e’ o que você quer saber...
-  Como e’ possível? Você manteve ereção a noite inteira. Estou morta de cansaço e você inteirão...
   Como pode?
-  Se eu disser algo você não vai rir de mim?
-  Claro que não! O que?
-  Você acredita em amor `a primeira vista?
-  Não sei!
-  Pois e’! desde a primeira noite que vi você dançando, não consegui te tirar da minha cabeça.
   Queria tanto falar com você...
-  Mas quando eu fui conversar você nem me deu bola, depois sumiu! Ficou tantos dias
   sem aparecer...
-  Não queria te usar ou te “comprar”... Sumi porque estava fazendo um teste para ver
    se te esquecia...
-  Você nem me conhece...
-  Vamos ver! Você e’ solitária, muito sofrida, odeia o que faz mas, assim mesmo da’
    tudo de si. Não aceita convite de clientes para se prostituir, e’ descrente de homens,     
    amor, família, embora seja o que mais queira ter, ja’ passou por situações muito
    difíceis, quase perdeu a vida, não se acha digna de se relacionar com mulheres, se
    julga inferior devido `a profissão, ha’ algum tempo parou de procurar por amor, acha
    que não e’ para você... Continuo?
 -  Não precisa! Você me conhece...
 -  Você acha que eu sou maluco?
 -  Não sei! Um pouco! Respondeu Marinete, com um sorriso encantador...
 -  Mas você me surpreendeu com toda essa virilidade...
 -  Estava querendo fazer amor com você desde que a vi dançar pela primeira vez mas,
    não queria pagar... So’ se você quisesse também...
-   Puxa vida! Sabe que também fiquei triste nos dias em que você não apareceu?
    Pensei que nunca mais ia te ver...
 -  Que bom! Então você gosta um pouquinho de mim...
    Marinete olhou bem para ele. Pausou, pensou um pouco e respondeu:
-   Muito! Não sei porque mas, gosto muito de você...
-   Que horas são? Perguntou ela, assustada...
-   Porque?
-   Tenho que ir pra casa, descansar um pouco, recuperar forcas pra trabalhar `a noite.
-  E se você não trabalhar hoje?
-  Se faltar, perco o emprego...
-  E se você se casar comigo? E trabalhar so’ se quiser, onde quiser? Podemos ir `a
   Europa em nossa lua de mel...
   Marinete olhou para ele muito seria, esboçou um sorriso ao mesmo tempo em que lagrimas rolavam de seus olhos.
-  Você e’ maluco! Isso tudo e’ muito doido!
   Guto apenas recolheu as lagrimas com seus polegares ao mesmo tempo em que segurava o rosto de Marinete carinhosamente.
   Ela o olhou mais uma vez e o abracou em resposta...
-  E se você não gostar de mim? Disse ela.
-  Eu ja’ gosto de você... Sabe o que deveria fazer? Sumir daquele lugar... Pensa
   que não notei? Todos esperam por você dançar... Ficam calados, enebriados pelo teu
   corpo, tua beleza, teus sorrisos que devem te machucar tanto... Você e’ explorada.
   Sei que você ganha boas gorjetas mas são muito menos do que você merece.
-  Isso mesmo! Tudo bem... Não trabalho mais. Nem vou la’ dar satisfação...
-  Então, hoje vou preparar os documentos de união estável, amanha documentamos tudo e
   vamos a teu apartamento buscar tuas coisas.
-  Não precisa de documento!
-  Precisa sim! Primeiro assinamos e depois você organiza nosso casamento na igreja.
-  Você e’ solteira, não e’?
-  Sou!
-  Você não acha que eu sou muito velho? Vão me chamar de teu pai!
-  Você se importa?
-  Claro que não! quero mais e’ que morram de inveja cada vez que nos verem juntos.
   Depois que almoçaram Guto levou sua “noiva” em casa, voltando para preparar o lugar que a receberia como dona.

   Meses depois, ocasionalmente passaram, agora como marido e mulher, pelo mesmo local onde Marinete trabalhava. Agora, vendo aquilo tudo sob novas perspetivas apenas sorriu, ao lembrar daquelas noites que via passar com Bunda de Fora...





Copyright 2/2014 Eugenio Colin.
  
  

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