domingo, 12 de janeiro de 2014

PROF. MORAES






                                                            Prof. Moraes





   Era o primeiro dia de aula do primeiro ano cientifico, (hoje décima serie) no Instituto La-Fayette, no quase coração da Tijuca, RJ, anos sessenta...
   Estudávamos no turno da manha...
   Depois da primeira aula do dia, Geografia Geral, ministrada pelo diretor da escola, Professor Salvador, trocamos de sala para a aula de Matemática. Conversávamos alegremente tentando encontrar nossas afinidades, alguns que seriam amigos pelo resto da vida, outros que apenas fariam parte de nossos dias temporariamente.
   No melhor da conversa e a normal algazarra de adolescentes escolares entra na sala um senhor de provavelmente oitenta anos. Terno impecável, gravata bem amarrada, sapatos engraxados e um jornal embrulhado de baixo do braco.
   Muitos ignoraram completamente a presença do professor que, calmamente subiu o pódio, sentou-se em sua cadeira, abriu o jornal e começou a ler, ignorando os alunos, a algazarra e a falta de respeito.
   Aos poucos, um após outros, nos acalamos, viramos para a frente e, de repente, um silencio tumular na sala de aula...
   Moraes era respeitado em todo colégio... Era sábio, ponderado, muito calmo e autor de uma frase que, com o tempo torneou-se um dos lemas de todos, professorea e alunos.
   Um dia, um Professor de Historia, que mais lembrava um atleta profissional, chamou seu colega Moraes para uma conversa particular... Queria saber se deveria ceder aos assédios da Gabriela, uma aluna do ultimo ano colegial que estava doida ter um caso com aquele “pao” (gíria da época aplicada `a homens cobiçados)... Chegou ate’ a comentar com seu “conselheiro” que no ano seguinte ela ja’ estaria fora da escola e algum problema que por acaso surgisse seria mais fácil de ser resolvido...
   Moraes pensou um pouco, deu uma boa olhada para ele, e falou:
-  Meu filho! Ponha na sua cabeça... professor come professora, aluno, come aluna...
    Professor Moraes ainda demorou alguns segundos entretido com o que lia, ou fingia ler, antes de fechar o jornal, levantar da cadeira e começar sua apresentação...
-  Meu nome e’ Moraes, sou professor de Matemática e, vocês vão ter que me aturar,
   pelo menos por um ano. Se vocês começarem a falar mais alto do que eu, me calo, 
   abro meu jornal e começo a ler. Se o Diretor me perguntar porque estava lendo jornal
   ao invés de dar aula, vou dizer que o barulho era tao grande que minha voz não era
   suficientemente forte para me fazer ouvir... O homem vai ficar com pena de mim,
   porque sou um velhinho fraco e franzino e, vocês vão entrar pelo cano...
   Ja’ que estamos entendidos, vamos hoje fazer um teste que faco todos os primeiros
   dias de aula da matéria que ensino, a odiada Matemática.
   Mas, de ante mão digo; Matemática e’ muito fácil mas requer muita concentação,
   atenção, procura por detalhes, perspicácia...
   Vou dar um problema para vocês resolverem e, o que acertar, se alguem acertar, vai
   ter nota 10 o ano inteiro. Não precisa assistir `as aulas e já passou de ano.
   Escrevam ai:
   Uma fazenda de gado atravessava seria crise financeira.
   Depois de varias tentativas para equilibrar as finanças o fazendeiro decidiu que a
   única solução seria vender algumas de suas 900 cabeças de gado.
   Vendeu 310 para seu vizinho, 170 para seu primo, também fazendeiro, e 
   120 para outra fazenda em outro estado.
   O que sobrou seria agora e’ o que manteria sua fazenda funcionando sem dividas.
   Qual era o nome do fazendeiro?
   Alguns colegas começaram a rir, outros pensavam; “o velho ta maluco”...
   Eu comecei a resolver o problema...
   310+170+120 = 600
   900-600 = 300
   Sobraram então 300 cabeças de cado para o homem.
   E dai?
   Nada fazia o menor sentido... Balançava o meu lápis entre os dedos tentando trazer alguma limpidez `aquela loucura. Olhava para o professor que, vez por outra, abaixava o jornal que lia, ou fingia ler, divertindo-se com o desespero de uns, frustração de outros, descaso de tantos...
   Tem alguma coisa nas entre-linhas, pensava com meus botoes...
   Comecei a me concentrar... Olhava para as contas como quem procura uma saída do  labirinto... Mexia com os números, calculava novamente ate’ que procurei um outo caminho... Fracões! O fazendeiro havia ficado com um terço das cabeças de gado. Tudo bem! Mais ainda não fazia sentido... Digamos então, que a resposta do problema era 1/3. E dai?
   De repente... Bingo! Me lembrei que tinha um amigo, filho de Franceses, muito franzino que se chamava Tiers... Um eterno gozador. Fazia piada sobre tudo, principalmente a respeito de si mesmo. Talvez pensasse que se ele mesmo se humilhasse, não teria graça ser gozado por outros...Um dia havia perguntado a ele o que significava seu nome. Ele me respondeu; “-meu nome significa 1/3 em Frances”. Acho que meus pais me achavam muito pequeno para ser um homem inteiro...
   Calmamente me levantei, olhei para o Professor Moraes, que a esta altura ja’ havia abaixado seu jornal e falei:
-  Eu sei o nome do Fazendeiro! 
   O professor so’ não se engasgou porque não estava comendo nada mas, engoliu em seco. Ainda pude perceber seu gogo’ se movendo para cima e para baixo.
-  Claro que não! Disse o Professor. Em quarenta anos de ensino ninguém, jamais soube resolver esse
   problema...
-  Muito bem! Qual e’ o nome do Fazendeiro?
-  Tiers! Respondi.
   Professor Moraes não caiu porque já estava sentado.
-  Como e’ que você sabe? Perguntou...
-  Muita atencao, concentração, procura por detalhes, perspicácia. Como o senhor falou...
-  Meus colegas! Muito obrigado pela companhia, boa sorte para vocês, se passarem de ano os
   encontro ano que vem... Tô fora! Disse, de pe’, em voz alta, me dirigindo `a turma e, me
   encaminhei a porta de saída.
   Por coincidência, a campainha tocou, indicando o termino da aula.
   Professor Moraes correu atrás de mim, pedindo que ficasse por mais alguns minutos. Queria falar comigo em particular.
-  Não quero nem saber! Promessa e’ promessa! Vejo o senhor ano que vem... Falei.
-  Pera ai! Você sabe que eu não posso fazer isso... Como e’ que vou te dar dez sem
   provas ou, ao menos, presença em minhas aulas?
-  O senhor não acha que deveria ter pensado nisso antes? Respondi.
-  Por favor, não faz isso comigo. O que fiz e’ anti-pedagógico... Como e’ que você
   soube a resposta? Ate’ professores não souberam resolver este problema...
- Talvez eu seja mais esperto do que os professores... Respondi.
   Mas Professor Moraes estava ficando realmente nervoso. A esta altura falei:
-  Professor! E’ claro que eu sei que e’ brincadeira. Não estava esperando matar suas
   aulas ou nunca mais aparecer...
-  Como e’ que você soube? E’ incrível... Ninguém sabe... Enfatizou o Professor.
-  E’ porque eu gosto de línguas, sei um pouquinho de Inglês, Italiano e Frances que
   escuto nos filmes. Principalmente Frances. Gosto muito do François Truffaut, Jean
   Renoir, Jean-Luc Goddart, René Clair, Luís Bunuel, Luís Malle... Respondi.
 - Eu também! Você assistiu a “A cause d’une femme”? Disse o Professor.
-  Ha, ha! Um dos meus favoritos... Respondi.
-  “La belle de jour”, e’ um dos meus favoritos... Catherine Deneuve e’ uma das 
   mulheres mais lindas do mundo... Disse Moraes.
 - E “Un homme et une femme”? sugeri...
 - Excelente! Disse ele.
   De repente a aula de Matemática havia se transformado em uma reflexão sobre a cinematografia Francesa...
   Antes de sair da sala, com a mão no meu ombro que quase não alcançava, Professor Moraes disse: -
-  Você e’ muito esperto.
   E’ claro que fiquei todo envaidecido. Havia me tornado o centro das atracões da sala de aula...
   Ótimo, certo?...
   Não! Completamente errado!
   No dia da primeira prova de Matemática do ano, para qual não havia me preparado, como sempre, Mores vira para mim e diz: “Voce senta na minha mesa! Não quero que ninguém cole de voce”...
   O Velhinho me ferrou! Eu não sabia nada. Não havia estudado mas, ao mesmo tempo não queria que o Professor que me tinha em tão alto conceito se decepcionasse.
   Com um esforco sobre humano, consegui tirar quatro e meio naquela prova...
   Dois dias depois, Professor Moraes dispensou a turma um pouco mais cedo e me pediu para ficar um pouco mais...
-  O que aconteceu? Perguntou. Você pode fazer muito melhor do que quatro e meio.
   Não sabia onde enfiar a cara, com tanta vergonha.
-  Deixa pra la. Neste Sábado quero você em minha casa `as nove da manhã. Vou te dar uma aula de
   Matemática que vai ser a ultima que você vai precisar... Vou fazer algo que não devo... Vou te
   ensinar  o que professores aprendem... Os truques da Matemática... Disse o Professor,
   enrolando seu jornal e batendo carinhosamente no meu ombro, antes de coloca-lo sob o braco.
   Dito e feito! Depois daquele Sábado, minha nota mais baixa em Matemática foi oito e
meio, assim mesmo porque, no dia daquela prova estava tao cansado que praticamente dormia na carteira da sala de aula.
   No La-Fayette, `aquela época, existiam muitas salas especificas para certas matérias. Geografia tinha um mapa mundi que parecia uma piscina do mundo, com água e tudo. Ciencias tinha uma sala cheia de ossos e esqueletos. História tinha uma sala que mais parecia o Senado Romano, cheia de colunas e bustos de personagens da Historia Mundial. A sala de Química nada mais era do que um laboratório... Um dia um dos alunos pegou um tubo de gaz flexível, acendeu o fogo para tentar averiguar se gazes de peido pegam fogo... E sabe que pode pegar fogo, devido ao gaz metano que expelimos num pum? Não da' para explodir a bunda mas, que vai acender uma chama, isto e’ certo. Cuidado ao fazer o expedimento... De preferência esteja nu e com o cu virado pra lua. Nesta posição você evita se queimar.
   Se o professor não houvesse chegado na hora certa o experimento teria sido concretizado...
    Porem, as matérias que não requeriam uma sala especifica como Matemática, Português ou Línguas Estrangeiras, os professores e’ que trocavam de sala ao invés dos alunos.
   Um dia, na transição da aula de Português para Matemática se encontraram Professor Moraes e Professora Noêmia. Não sei porque, naquele dia eu estava de pe’ bem perto da porta da sala. Os dois olharam para mim ao mesmo tempo. Professora Noêmia, que me odiava, falou, olhando para mim: “Este e’ o pior aluno que ja’ conheci.”
Ao mesmo tempo em que Professor Morais disse: “Este e’ o melhor aluno que ja’ ensinei”. Olharam-se, cada qual pensando que o outro era maluco, enquanto eu, e alguns colegas, riamos da situação inusitada.

   O fato e’ que Professor Moraes conseguiu mexer com meus brios... Continuei com minhas brincadeiras inconsequentes mas minhas notas melhoraram visivelmente. Meus pais não entenderam o que havia acontecido... Eu continuava sem estudar em casa mas, no colégio, a única coisa que fazia era me concentrar ao máximo, sem sair de uma aula sem entender o que havia sido ensinado. Nem que tivesse que encher o saco do Professor ate’ que ele me fizesse entender... Não era para isso que eram pagos?
   Muito obrigado por tudo, Prof. Moraes...






    Copyright 2013 Eugene Colin














Um comentário:

  1. No meu caso em 66 fui o primeiro aluno dele ganhando inclusive do Jaques schermann que era l melhor aluno dele desde o primeiro ano ginásio, turno da manha e eu tinha vindo do da tarde. Quando escolhi o clássico, no primeiro dia de aula com prof, Noêmia ele pediu licença e me chamou la fora, dizendo para ir com ele para o cientifico, me arrependo até hoje de náo ter ido. Meu nome e Artur Arantes da costa, prof. Moraes morreu atropelado na rua Uberaba nl Grajaú perto da castro Barbosa e Caçapava. OK. Abraçlxs

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