quinta-feira, 25 de outubro de 2018

SAI DE PERTO









                                                 Sai de perto...









   Haroldo Arnaldo era visto por muitos como o homem mais chato do mundo...
   Na realidade, ele deveria ser classificado como perfeccionista. O cara fazia tudo certo, gostava de tudo perfeito, tomava no mínimo dois banhos por dia, barbeava frequentemente, era mais cheiroso do que bunda de neném quando troca a fralda, bonito pra cacete, mais de um metro e noventa de altura, sempre impecavelmente vestido, ate' para dormir. Pelas manhãs, quando corria pela praia de Copacabana, antes de assumir sua posição de diretor executivo de uma multinacional renomada, não podia deixar de perceber os suspiros que o mulheril deixava escapar quando por ele cruzavam, algumas ate' deixando verbalizando “galanteios” de baixo calão como “te comia a carne toda e ainda chupava teu osso a noite inteira...” 
   Muitas vezes Hardo, como era conhecido pelos mais íntimos, ate' achava engraçado alguns dos comentários que ouvia cruzar sua audição...
   O que as “meninas” não sabiam e' que nosso amigo era exigente pra cacete, principalmente quando se tratava de mulher... Para ele, por exemplo, todas as artistas de cinema americano eram anoréxicas, horrorosas, e em sua opinião, mais pareciam um graveto que, se o vento soprasse forte, as fariam levantar voo. Ca' entre nós, neste ponto ele não estava muito longe da verdade... As Brasileiras, um pouco mais presentes em sua realidade, também não estavam muito longe. Em sua percepção. encontrava uma mulher bonita em cada duzentas que “piadavam” seus ouvidos.
   Por isso mesmo, estava sozinho ate' hoje. Se fosse mulher, todas suas amigas diriam que ja' estava no carito'. Isto as mais bondosas, a grande maioria diria que era bicha. Quarenta anos de idade, sem namorada... Bicha!
   Mas, a realidade e' que Hardo procurava em uma mulher era uma mistura do rosto da Mônica Vitti no corpo da Sophia Loren com os olhos da Jacqueline Bisset e a voz da Demi Moore... Algo completamente fora da realidade de qualquer mortal. Agora diz se o cara não era exigente...
   E', mas Hardo não tava nem ai. Ou encontrava a mulher de seus sonhos ou continuaria “virgem” pro resto da vida.
   De qualquer maneira, ele não dava muita importância ao fato de estar sempre sozinho. Primeiro porque nunca esqueceu dos conselhos de sua avo', “antes so' do que mal acompanhado”, segundo porque era um homem de convicçoes fortes...
   Ele estava sempre nas colunas sociais. Sempre nas reuniões mais badaladas... Ate' para o exterior viajava constantemente a trabalho mas nunca, nem “la' fora”, havia jamais encontrado a mulher de seus sonhos...
   Um dia, foi informado pela secretária que, diga-se de passagem, so' não se trancava dentro de seu escritório e ficava pelada em sua frente, babando de desejo, porque ja' havia feito isso, sem conseguir atingir seus objetivos, que deveria comparecer a um cocktail da Sutiãns DuLoren no Copacabana Palace.
-  Não da' pra me safar dessa? Peguntou ele `a secretária.
-  Infelizmente, não!
   Assim sendo, resignado, la' se foi Dr. Haroldo Arnaldo Aniz cumprir com seus deveres. Ate' que estava se sentindo a vontade... Ali estavam alguns amigos de faculdade os quais não encontrava havia  ja' algum tempo...
   La' pelas onze da noite, todos foram convidados a sentar ao redor de duas enormes passarelas em semi-círculo, que mais pareciam dois enormes seios, para acompanhar o lançamento da “Coleção Perfumada”. Sutiãns coloridos, com nome e aroma de flores que, quanto mais lavados, mais perfumados se tornavam. 
   Hardo ja' estava quase dormindo, amoado pela monotonia, quando ouviu um rufo de tambores e o anuncio do apresentador: Flor de Lys!, acompanhado por uma estrondante salva de palmas que o fez despertar e, como todos os convidados, olhar para a modelo que acabava de entrar na passarela. 
   Assim que ele viu a jóvem, seu mento descendeu ao pavimento. Não podia acreditar no que estava vendo... Uma modelo maravilhosa, com o rosto da Mônica Vitti, corpo da Sophia Loren, olhos da Jacqueline Bisset... E' claro que não havia escutado sua voz mas, o sorriso era o mais lindo que jamais havia visto.
   De repente, Hardo começou a ficar agitado... Sentia vontade de pular por cima dos convidados `a sua frente, subir na passarela, agarrar a mulher, cobri-la de beijos, de promessas de amor e de tudo mais que ela quisesse mas, e' claro, sabia que tinha que se controlar. Assim mesmo, saiu de sua cadeira e se plantou na porta do camarim onde as modelos se trocavam e começou a suar frio, agonizante, esfregando as mãos suadas, uma na outra.
   Não tardou e sua musa apareceu com um sutiãn tão pequeno que mais parecia um tapa-olho, revelando ainda mais seu corpo maravilhoso. Assim que o viu “plantado” em seu caminho, lhe presenteou com um sorriso maravilhoso que realçava ainda mais aqueles olhos verde-azulados, os quais em sua mente, só existiam em sua imaginação.
   Assim que terminou o desfile, la' estava Hardo, por sua musa esperando, bem `a porta do camarim. Ela, por sua vez, aparentemente, também gostou do admirador, ja' que o acompanhou sem a menor exitação ate' a mesa onde canapés e drinks  eram servidos.
-  Como e' seu nome? Perguntou Hardo, ja' cheio de “intimidades” com a mão no ombro de sua nova      conhecida.
-  Meu nome e' Aldegunda, e o seu?
   Hardo ficou de certa maneira chocado com o nome mas, a voz... A voz era algo quase indescritível, inacreditável, principalmente vindo daqueles lábios maravilhosos... Algo parecido com uma taquara rachada, algo estridentemente irritante, insuportável, o que pôs nosso amigo, pela segunda vez na mesma noite, em estado de choque. Agora se via em um dilema; havia encontrado a mulher de seus sonhos com a voz de seus pesadelos... O que fazer?
   Hardo estava macambuzio, cabisbundo, enquanto sua nova conhecida nele se esfregava como se ja' fosse dona do “pedaço”.
   Tudo bem! Pensou ele resoluto: “com o tempo me acostumo com esta voz”, aparentemente resolvendo o problema.
   No dia seguinte, ao encontrar com “a mulher de seus sonhos”, após alguns segundos de confissões mutuas, quase ja' conseguindo superar, ou pelo menos se acostumar, com o som tão horrível que ouvia sair de uma mulher tão maravilhosa, percebeu que sua “amada” fechou a boca, espremendo os lábios, começou a ficar vermelha a ponto de explodir.
   Ele não entendeu nada! Apenas a viu sair correndo, fazendo um sinal para que ele a esperasse. Fato que `aquela noite aconteceria outras duas vezes.
   No dia seguinte, com o incidente ja' superado, ao encontra-la, percebeu que ela trazia um cachorrinho pela coleira... Agora mesmo e' que entendia menos ainda: “que diabos esta' essa mulher fazendo com um cachorro, `a noite, em um encontro amoroso.
   Mesmo sem entender, não falou nada. Talvez estivesse tentando evitar ouvir o menos possível `aquela voz brochante.
   Andavam de mãos dadas quando, de repente, ouviram: “puuuuum”, acompanhado por um cheiro insuportável.
   Imediatamente Aldegunda se vira para o cachorrinho e diz:
-  Toto'! Que coisa feia! Peidando no meio da rua...
   Hardo olhou para a companheira com um olhar desconfiado mas, continuaram passeando pela calcada da praia de Copacabana... Mais alguns minutos e novamente: “puuuuum”, acompanhado do mesmo cheiro, agora reconhecido...
-  Toto’! Para de peidar! Disse ele novamente, se dirigindo para o cachorro com o dedo em riste.
   Agora não tinha duvidas... A “mulher de seus sonhos” peidava mais do que anão depois de comer feijoada...
   Na verdade, o homem não sabia o que fazer... Primeiro a voz, depois aqueles peidos...
   Mais alguns passos e Hardo apontou para um banco, indicando que se sentassem para conversar. Pretendia abrir seu coração, expor os fatos, decidir seus futuros, tentar algo. Assim que os dois se sentaram, o cachorrinho sentou-se também ao chão, bem abaixo das pernas de Aldegunda que o trazia pela coleira.
-  Olha! Assim que eu te vi, fiquei encantado por... Dizia Hardo, quando ouviu: “puuuuum”,
   acompanhado pelo cheiro de enxofre podre e, mais uma vez:
-  Totó! Pára com isso!
   Desta vez o cara não se conteve e exclamou:
-  Toto'! Antes que essa mulher te cague em cima, sai de perto...






Copyright 7/2015 Eugene Colin

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