quinta-feira, 21 de novembro de 2013

JUJUBA








                                                               Jujuba







   Jujuba costumava dizer que se não fosse pela falta de sorte ele não teria sorte de especie alguma.
   O interessante e’ que apesar de ter feito um sacrifício filho da puta para perder quase sessenta quilos seu apelido continuava o mesmo... O problema e’ que ninguém havia conseguido qualifica-lo adequadamente. Não podia ser chamado de “palito” ja’ que não era esquelético, não podia ser chamado de “atletico” porque havia acabado de emagrecer e seus músculos ainda estavam flácidos. Ser apelidado de “Hulk” então, nem pensar... Na falta de uma nova classificação adequada a seu novo porte físico, a alternativa era continuar sendo “Jujuba”. O que, diga-se de passagem não o aborrecia muito... Aos dezenove anos de idade ainda estava por decidir o que era menos pior, “Jujuba” ou Carlozencio Aparecido das Neves, seu verdadeiro nome.
   Mas ele nem se preocupava com o nome ou apelidos pejorativos. Tinha um problema maior em sua vida de adolescente... Estava apaixonado pela Márcia...
   Márcia era a garota mais popular e, alem disso, fazia parte do time de natação do clube que frequentavam. As garotas na natação eram como o chantili do bolo... Primeiro porque tinham que mostrar as coxas para todo mundo. Ninguém nada vestida!  Segundo porque não gostavam dos homens que nadavam, que eram os mais bonitos do clube... Elas diziam que só tinha bicha na natação...
   Todo mundo queria namorar a garota...
   Um dia de passagem, Márcia disse; “Alo, tudo bem?” ao cursar por Jujuba. O cara só não se cagou todo porque ainda estava naquela dieta rigorosa, para perder os últimos quilinhos recalcitrantes e, o dia inteiro ainda hão havia colocado nada no estomago. Naquele dia que ela o cumprimentou quando passou pelo rapaz em uma alameda do Tijuca, ele ficou tao nervoso que deu uma porrada com a cabeça na parede que nem viu`a sua frente... Quando chegou em casa com a testa sangrando, ainda meio desnorteado, seu pai perguntou: "quem fez isso com você?" Sem mesmo saber o que estava falando respondeu: " A Márcia!" Ainda ouviu seu pai comentar: "Agora você apanha de mulher?
   Mas seu pai não sabia de nada. A Márcia havia falado comigo, e isto era algo para ser guardado a vida inteira. O machucado na testa ficaria curado em alguns dias...
   Ela acabou namorando o Egberto, campeão de tênis do clube, cabelos pretos olhos azuis e quase dez centímetros mais baixo do que Márcia. Como alguns atores do cinema Americano que cismam em se casar com mulheres mais altas do que eles.
   Mas Egberto não tava nem ai, era o maior cara de pau... Namorava a menina mais linda e cobiçada do bairro e ainda “galinhava” atrás de qualquer rabo de saia que cruzasse seu caminho.
   Um dia Márcia se encheu de tanta falta de respeito e terminou o namoro com o Egberto. O cara ficou tao abalado que foi pego chorando pelos cantos escuros do clube varias vezes... Pediu, implorou, prometeu mas Márcia estava irredutível... Não queria mais saber do cara...
   Jujuba, por sua vez também tinha seus interesses amorosos atrás dele. A primeira foi a Angela, apelidada de Angela Man. Diziam que ela andava igual a um homem. Reta, sem o menor rebolado, depois foi a Frieda Staerke, loira, olhos azuis... Gordinha, meia "sem sal" e, segundo a maioria dos rapazes, cheirava a sabonete. Parecia que havia acabado de sair do banho, não importava a hora do dia, o que, pensando bem, e’ mais uma qualidade do que um defeito.
   Mas Jujuba não era de deixar vencer pelo destino padrasto que o perseguia... Apendeu a dançar... Dançava como ninguém! Nas ferias escolares, quando não precisava acordar cedo, ia a baile de formatura todo o dia... Ate’ as mães das meninas faziam fila para dançar com ele. Por isso mesmo, com o tempo, as garotas começaram a achar que o Jujuba so’ gostava de coroa e, não queriam mais dançar com ele. E’! O cara era mesmo sem sorte...
   Um Sábado, estava programado o “Baile da Maria Cebola”, no clube em que frequentava.  Jujuba nem queria ir... Gostava de dançar, certo! Mas achava que nenhuma menina o convidaria e assim sendo estaria se preparando para tomar chá de cadeira a noite inteira e o pior e’ que uma das “regras” do baile, alem da tradicional; homem não pode tirar mulher pra dançar, era que, ninguém poderia recusar o convite de uma dama... Ora! Então, o “Baile da Vinganca” como era apelidado pelos pobres meninos sempre rejeitados, não faria o menor sentido... Durante o ano inteiro os caras eram ignorados. Agora, no único dia em poderiam dar o troco, “tiraram o dinheiro de seus bolsos.”
   Mas, Sábado sozinho em casa, assistindo ao Moacyr Franco Show, em preto e branco, não era, nem de perto pareo para o baile da Maria Cebola... Pelo menos no baile as garotas eram em cores...
   Começou o baile e nada... A musica era excelente. Os rapazes da natação, mesmo sendo bicha, estavam dançando o tempo todo, o Egberto então, nem se fala. mas Jujuba estava la’ sentado no mesmo lugar, quase com calo na bunda.
   Ja’ haviam se passado quase duas horas de baile quando, distraído, uma mão batendo com os dedos na mesa, sequencialmente e a outra segurando o rosto, quase sonolento, sentiu um perfume familiar e uma mão suave e delicada tocando seu pescoço... Levantou a cabeça ainda a tempo de ver o rosto mais lindo do mundo falar ao seu ouvido;
 Dança comigo!
   A Márcia! `A sua frente, trajando um vestido preto com bolinhas brancas, cabelos soltos como não costumava usar, mais linda do que nunca...Novamente! Jujuba so’ não se cagou todo porque não tinha o habito de comer nada antes de ir a um baile.
   Pergunta se Jujuba recusou o convite... Dançaram a noite inteira... E toma elogio da Márcia... Você dança tao bem... Como você esta’ elegante... Adorei seu penteado assim para o lado... Você esta’ parecendo um ator de cinema Americano... Adoro a maneira que você me segura, firme e delicadamente ao mesmo tempo...
   Depois de tanto elogio, se a cueca de Jujuba não fosse nova e bem apertada, a pobre da Márcia seria arremessada pro lado de forra do salão pela “catapulta” do rapaz.
   Em dado momento ele ate’ contemplou a possibilidade de se matar ali mesmo. Morrer dançando com a Márcia era o passaporte para o paraíso. Depois acabou desistindo da ideia... Não queria ensanguentar um vestido tao lindo.
   O cara não acreditava o que estava acontecendo... Imagina so’! Ate’ o Egberto estava com ciumes dele.
   No fim do baile, Márcia falou:
-  Aparece mais! A gente pode ate’ conversar depois dos treinos...
   Jujuba nunca apareceu... E’ Claro que a garota estava de gozação. Pensou... “A mais cobiçada do bairro dando bola pra mim?” Devo estar jogando pedras na lua...
   Então, aconteceu um fato inusitado na vida do Jujuba...
   A Maria Luiza, que havia acabado de terminar o namoro com o Vadeco. Pediu então ao Celinho, amigo de ambos, para perguntar se Jujuba tinha namorada, ja’ que estava interessada nele por muito tempo. Jujuba havia acabado de terminar o namoro com a Marinete, uma magricela de bunda grande, que nunca havia conseguido esquecer seu primeiro namorado, e vizinho, o Caique...
   Sem nem pensar, Jujuba disse ao Celinho que tinha namorada, porque não queria namorar ninguém com nariz grande e torto.
   Não! Ca’ entre nos, nessa Jujuba tinha razão...A menina era bonitinha, magrinha, coxinhas grossas, peitinhos iguais a laranjas lima maduras, lábios carnudos e bom de beijar mas, o nariz da moca faria qualquer bruxa morrer de inveja. O que ele nem teve tempo de saber e’ que a menina era um doce de pessoa, inteligente, culta, preparada, extremamente educada mas, aquele nariz...
   Anos depois, em um restaurante da praça Saenz Pena, na Tijuca, Jujuba viu um casal que chamava atenção de todos... O homem era como um gala de cinema Americano, ou de novela, se você se julga um nacionalista recalcitrante e, a moca, capaz de fazer a Sophia Loren parecer uma empregada domestica.
   Ainda tinha a linda mulher na mira dos olhos quando a viu se aproximando em sua direção. Por via das duvidas ainda olhou para trás, só para se certificar se era mesmo em sua direção que ela andava. Assim que olhou para frente novamente, ouviu:
 Lembra de mim? Sou a Maria Luiza, costumávamos frequentar o mesmo clube...
   Quando ouviu o nome a primeira coisa que olhou foi para o nariz. Perfeito, lindo, afilado e seu rosto era uma obra de arte... Milagres da cirurgia plastica...
-  Este e‘ meu marido, Larry. Disse ela.
   O aperto de  mão do tal do marido foi tao forte que Jujuba não sabia se ele estava de sacanagem, tentando machucar alguem que por acaso houvesse “machucado” sua esposa no passado ou, se ele era mesmo tao forte assim, sem o menor esforco.
   Se arrependimento matasse, Jujuba havia caído duro ali mesmo, com a cara dentro da vasilha de maionese do buffet `a sua frente... Ele nunca soube se Maria Luiza fez aquilo por vingança, como quem diz: “olha o que você perdeu seu babaca” ou se por educação.
   E’! O cara era mesmo sem sorte...
   Jujuba fez tanta cagada em sua vida, tomou tantas decisões erradas que acabou tomando a ultima que, segundo suas projeções proporcionais, acabaria de vez com sua existência... Arrumou as malas, sem mais nem menos, e decidiu se mudar para os Estados Unidos. A única coisa que sempre quis na vida foi namorar a Márcia, parecia ate’ uma obsessão mas, por outro lado, em sua mente, sabia que ela não era sardinha pra sua rede.
   Havia ouvido falar das oportunidades nas terras do Tio Sam, assim sendo resolveu arriscar... Sua primeira surpresa foi que as mulheres Americanas o adoravam... Era só dizer que era Brasileiro e elas despencavam das arvores... Diziam que ele era bonito, simpático, inteligentes e ate outros elogios que, no inicio nem conseguia entender, ja’ que seu Inglês não era tao bom assim.
   Mas, nosso amigo Jujuba mudou de pais mas não mudou seu comportamento. No Brasil dispensou, sem pensar, a única que se interessou por ele. Agora, no pais do Tio continuava dispensando todas elas...
   Em um momento de sua vida ate’ flertou com a possibilidade de se tornar homossexual mas, pensando melhor, achava que devia doer muito...
   Resolveu então, para acabar com conjecturas improváveis e impossíveis, pensar apenas no trabalho...
   Começou trabalhando como garçon para custear seus estudos de Inglês. Assim que dominava o idioma, arrumou um emprego nas Nações Unidas como tradutor... Continuou estudando línguas... Agora, se dedicava também ao Italiano. Depois Frances, Espanhol e, finalmente Alemão.
   Em menos de dez anos, passou de analfabeto em Inglês `a tradutor multilingue. Sua vida corria `as mil maravilhas. Depois então que conseguiu se convencer que era menos complicado viver sozinho, se considerava realizado e feliz.
   Mais alguns anos e Jujuba era o mascote das Nações Unidas. Poderia traduzir os principais idiomas, estava sempre pronto pra trabalhar, não tinha mulher pra encher o saco e, quando se sentia muito só, com vontade de descarregar “sentimentos” acumulados, tinha uma lista enorme de colegas de trabalho que estavam loucas para ouvir falar e, ate’ mesmo conhecer de perto, as qualidades e utilidades do “Pau Brasil”.
   A vida de Jujuba, que depois que se tornou cidadão Americano mudou o nome para Carl, Americano jamais conseguiria pronunciar “Carlozencio”, era perfeita... Nunca esteve tao feliz...

   Certo dia foi escalado para um projeto no qual jamais havia participado. Uma reunião do G20.
   Não estava preocupado... Nada mais do que rotina rotineira.
   No dia da primeira reunião, uma hora antes, nosso amigo ja’ estava la’. Testava os equipamentos despreocupadamente quando uma linda loira entrou em seu cubículo.
A primeira reação, ao sentir aquele perfume familiar, foi de dizer: “to de ferias...To satisfeito por duas semanas...”
-  Jujuba? Perguntou a mulher.
-  Como você sabe do meu apelido de criança. Aqui todos me conhecem como Carl.
-  Não se lembra de mim, não e’? Disse a mulher.
-  Sinceramente, não!
-  Sou a Márcia! Lembra? Da natacao?
   Desta vez, só não se cagou todo porque costumava tomar um “breakfast” muito leve, a base de banana e frutas...
   Mulher e’ uma coisa mas, a Márcia não e’, nem nunca foi uma mulher... Márcia era uma deusa. Parecia que agora, mais de trinta anos depois, ela estava ainda mais linda, mais segura, mais imponente... A Márcia parecia uma escultura em que o tempo, nosso escultor tao temido, havia conseguido  aperfeiçoar.
   Nosso amigo, abriu a boca, quase babando, sentou numa cadeira que, providencialmente, estava atrás dele, evitando que metesse a bunda no chão e, não pode segurar uma lagrima espontânea que teimava em lembra-lo do passado.
   Assim que percebeu, ela se inclinou, limpou aquela prova de carinho com seu polegar e o beijou carinhosamente no rosto...
   Foi preciso alguns segundos para que Carl se refizesse e conseguisse perguntar:
-  Como vai você? O que esta’ fazendo aqui?
-  Vim com a delegação do Brasil e alguem me descreveu o “melhor tradutor” da UN e, não sei
   porque, pensei ser você... Vim aqui confirmar...
  A conversa durou por quase uma hora e so’ foi interrompida quando a reunião começou e Carl interpretava...
  Márcia ficou a seu lado o tempo todo. Não pode deixar de notar a diferença naquele garoto tímido que conhecera quando mais jovem.
  Foram mais de três horas nas quais ela, pacientemente esperava sua chance.
   Ao termino de sua tarefa, ao saírem do edifício, Carl se ofereceu a levar Márcia a seu hotel ou onde estivesse hospedada.
- Carl, se você não se importar gostaria de ficar com você. Soube que você agora
   mora aqui em Nova Iorque, certo?
   O cara engoliu em seco... Não era possível! “A Márcia, pedindo para ir ao meu apartamento? Eu sei que não estou sonhando. Então, o que esta’ acontecendo?” Pensou.
   Só não se cagou todo porque não ficava bem...
   Andando de mãos dadas pelas ruas de Manhattan, trocavam confissões... Carl dizia que nunca havia se casado. Nem mesmo namorada tinha... Márcia soltou a bomba quando falou:
-  Jujuba, ou Carl, como preferir, você esta’ tao bonito. Tao seguro de si. Nem de perto
   me lembra aquele menino tímido que conheci...
   Sabe que depois daquele baile em que dançamos a noite inteira nunca mais quis
   namorar ninguém? No clube, alguns dos rapazes queriam me namorar para tirar 
   onda. Na PUC, quando la’ estudava, todo mundo queria dormir comigo porque diziam
   que eu era gostosa...
   De vez em quando dava uma trepadinha inconsequente, so’ pra não perder a forma
   mas nunca mais queria ver o cara...
   O único homem que eu gostei foi você. Você sempre me respeitou... Era muito tímido
   pro meu gosto mas isso era o teu charme...  Você era diferente de todos...Todo  
   mundo queria se fazer de bonito pro meu lado. Você era autentico e, nunca dancei
   com ninguém que dançasse tao bem...
   Estou muito feliz por poder te ver novamente...
-  Posso te fazer uma pergunta? Indagou Márcia.
-  Claro! Disse ele.
-  Porque você deixou escapar uma lagrima quando me viu?
   Pronto! Agora o cara se derreteu... Começou a chorar de verdade.
   Márcia o abracou, segurando a cabeça do amigo e a descansando sobre seu ombro. Com uma das mãos ele tentava enxugar as lagrimas que insistiam verter. Com a outra mão segurou a cintura da amiga, com a mesma determinação que fizera anos antes, na única vez em que dançaram a noite.
-  Márcia, a alegria de te ver foi o maior presente que jamais recebi em minha vida. Disse ele, ainda
   tentando se controlar. Você tem certeza que quer ficar em meu apartamento hoje? Finalizou...
-  Hoje, amanha... Pelo tempo que eu estiver aqui, se você quiser. Disse Márcia.
-  Tem certeza? Perguntou Carl.
-  Absoluta!
-  Muito bem! Então amanha, quero que você comunique `a tua delegação que esta’
   saindo do emprego... Nos casamos e você fica aqui comigo... Se quiser te arrumo
   um emprego na UN...
-  Aceito! Disse Márcia, sem nem pensar nas consequências...

   Jujuba, quer dizer, Carl não podia estar mais feliz... Foram necessários mais de quarenta anos para que pudesse fazer as pazes com sua adolescência e, justamente quando Márcia começava a ser apenas uma doce, inesquecível e mais marcante recordação de sua juventude, ela aparece e, como um furacão que chega sem aviso,  começa a jogar para cima as memorias do chão de suas lembranças

   Depois de trocarem o primeiro beijo sob os primeiros flocos de neve que começavam a cair, nas ruas desertas de Manhattan, de mãos dadas, saíram os dois correndo ao encontro do futuro que acabava de começar.
   E’! O cara teve em sua vida a única sorte que realmente importava...




Copyright 2013 Eugenio Colin
  

  

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