sábado, 16 de novembro de 2019

A DONA DO MEU SACO

    









                                                    A dona do meu saco








   Nunca me esqueço daquele natal, quando tinha sete ou oito anos de idade. Acho que foi o primeiro natal do qual me lembro com clareza…
   Naqueles dias estava meio triste ao ter acabado de aprender uma lição importantíssima a respeito de como se usar ferramentas manuais. Havia enterrado um formão na minha mão quando, sem saber, o posicionei entre a mão e o martelo. Aprendi que as mãos devem estar, sempre, atrás das ferramentas… Uma cicatriz que tenho, marcada ate’ hoje, me lembra daquele fato.

   Meu pai lutava para poder manter um padrão de vida bem acima do que era capaz de nos oferecer. Minha mãe então, com muita humildade, tomando as redas da família alugou uma casa com oito quartos, alguns dos quais sublocava, com pensão, para senhoras de idade, proporcionando-nos assim uma qualidade de vida muito acima da qual havíamos nos acostumado.
   Como crianças, embora não entendêssemos de finanças ou economia, sentíamos que estávamos bem, sempre bem vestidos, estudando em bons colégios, frequentando clubes, praticando esportes... Tínhamos vida de crianças ricas…
   Aguardei com ansiedade a manha do dia daquele natal. Quase não acreditei quando vi o projetor de cinema que havia pedido `a Papai Noel estar ali, na minha frente, pronto para ser usado… Todos olhavam para a tela onde o filme era exibido, eu olhava para o projetor, maravilhado pela engenharia que em minha frente se revelava.
   Não era algo profissional ou de primeira linha mas, era o suficiente para ocupar seu lugar importante como uma lembrança indelével.
   Naquela tarde, junto com meu irmão e alguns amigos, visitamos uns aos outros para vermos e brincarmos com nossos presentes.

   `Aquela noite, decidi que essa lembrança deveria ser preservada e, assim sendo resolvi, imaginariamente, criar o meu saco…
   Claro que como todo menino, havia nascido com um, mas não e’ a este que estou me referindo… Resolvi criar um saco imaginário, onde arquivaria, daquele momento em diante, acontecimentos importantes e marcantes em minha vida.
   A infância foi alegre e cheia de lembranças que automaticamente enchiam o meu saco. Não de uma maneira pejorativa como pode soar mas, de uma maneira agradável e prazerosa.
   Com o tempo, a medida que a infância ia cedendo lugar `a juventude, as respondibilidades começavam a chegar, os sorrisos de criança começavam `a desaparecer, os compromissos cresciam, as primeiras desilusões marcantes ocupavam seu lugar de destaque e, meu saco começou a ficar mais volumoso, com o decorrer do tempo, atrapalhando ate’ `a minha maneira de andar, pelo peso que causava em minhas costas.
   A principio, jovem e cheio de vitalidade, apenas tratava de esvaziar o saco, quando estava muito cheio, jogando o excesso que ele guardava em cima de quem estivesse deitada em baixo, indescriminadamente…

   O tempo andava, as responsabilidades amentavam, os erros, embora involuntários, se acumulavam e o saco ficava cada vez mais cheio.
   Com o passar dos anos, nem me preocupava mais em esvaziar o saco e carregava todo aquele peso, e a dor que causava, em minhas costas, sem reclamar, resignado com o meu destino.
   Por vezes, no silencio das preces noturnas, em minha racionalização humana, ponderava com o Criador que não era justo, que a maioria daquilo não era merecido, que havia muita gente que so’ fazia o mal e ainda andava com o saco leve.
   Talvez Ele soubesse que eu era forte o suficiente para carregar um peso maior do que a mim era devido e, assim sendo, ajudar outro alguem a suportar o peso do destino.
   A medida que a maturidade chegava comecei a entender que a vida não e’ justa e que quanto mais procuramos por justiça mais nos desapontamos com o resultado dessa busca.
   O interessante e’ que embora milhares de lembranças felizes de minha infância estivessem guardadas no meu saco, elas nunca pesaram, ao passo que lembranças tristes e em muito menor quantidade causavam um peso tao grande que muitas vezes, caminhando sozinho, minhas lagrimas eram as únicas com as quais podia contar para ajudar e aliviar a dor quase insustentavel que o peso da vida causava ao meu saco que, `aquela altura carregava.

   Um dia, num momento de reflexão introspectiva, descobri que as lembranças alegres são leves e fáceis de serem carregadas ao passo que as experiências tristes, alem de nos fazerem sofrer, no imediato momento em que nos deparamos com elas, muitas vezes causam um peso insuportável em nosso saco, fazendo com que se arraste no chão, nos fazendo tropeçar e, inevitavelmente nos derrubando com ele.
   Comecei então a esvaziar o saco. Me livrar de todos os acontecimentos tristes, que me impediam de ser feliz, livre, alegre, responsavelmente despreocupado… Não queria que quem estivesse a meu lado ou para mim olhasse, presenciasse aquela deformidade.
   As tristezas eram tantas que demorou alguns anos para que delas me livrasse totalmente mas, com determinação, consegui.

   Em muito pouco tempo me livrei dos últimos resquícios de tristezas que, recalcitrantemente, ainda tentavam se misturar com as alegrias que desde a infância trazia guardadas.
   Hoje estou feliz, leve, alegre como aquele menino no dia do Natal.
   Hoje, tenho certeza que qualquer uma tem condição de segurar o meu saco `a qualquer hora, em qualquer lugar, sem o menor esforco, sem a menor dor…
   Delicadeza, beleza, mãos carinhosas, sempre serão os melhores apoios para o meu saco.
   Agora, estou apto para em mãos cuidadosas depositar o meu saco sem o menor receio, se tiver a certeza de que sera conduzido com amor e dedicação.
    Com ela  terei o prazer de compartilhar o que nele trago e faze-la sentir intrinsecamente tudo de bom que ele guarda...Agora, com  o saco leve, terei melhores condições de subir com maior frequência, apontar para frente e deixa-la a vontade para, espremendo meu saco, descobrir algumas das alegrias que ele guarda e poder sentir e reviver, junto comigo, todas os sentimentos positivos que nele acumulei através dos anos, `a espera de alguem  que estivesse disposta a tirar do meu saco o que ele tem de melhor, concomitantemente nele guardando apenas alegrias, tornando-se assim a dona do meu saco...






Copyright 11/2019 Eugene Colin




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