sexta-feira, 31 de maio de 2013

O PINTO E A XÍCARA



                                                      
                                                          O Pinto e a Xícara




    Em uma tarde de primavera, diante de olhares curiosos de amigas, depois de alguns meses de calor intenso, propositadamente fornecido pela mãe, em uma condição que muitos reprovariam, nascia o Pinto.
   Ele sempre teve uma infância feliz, aguçada pela curiosidade natural de todos os infantes em conhecer e explorar, muitas vezes ate’, muito alem de sua capacidade física ou de compreensão.
   Pintinho, como era chamado por sua mãe, gostava muito de brincar na mata. Não importava que a grama fosse alta, mal aparada, entrelaçada… Melhor ainda! Pintinho se divertia andando pelo caminho que ele mesmo abria, com sua cabecinha, com seu biquinho e ate’ com o auxilio de seus pelinhos inexperientes de quem esta’ apenas começando a viver, sem saber muito bem onde enfiar a cabeça com segurança e, assim evitar as consequências, possivelmente fatais, de uma exploracão afoita e mal pensada…
   Com o passar dos anos, Pintinho crescia, desenvolvia seus músculos, apurava sua forma e, aos poucos se transformava em um Pinto de verdade. Nunca acreditou que, mesmo crescendo e assumindo proporções mais avantajadas, para a surpresa de alguns, deixaria de ser um Pinto. Em sua mente nunca seria um galo, muito menos um galinha. Nasceu, cresceu, engordou, ficou forte, e tinha certeza que seria sempre um Pinto. E’ claro que agora, como todo Pinto que se preze, não teria medo, não encolheria na hora do desafio, não deixaria se intimidar em nenhuma situação, por mais cabeluda que fosse…
   Sem muitos amigos… Gostava muito de brincar consigo mesmo. Passava a maior parte do tempo p’ra cima e p’ra baixo, por horas a fio, muitas vezes segurando a cabecinha, acariciando aquela saliência que todo pinto possui… Eventualmente se cansava tanto com essas brincadeiras que, exaurido pela estafa, assistia, muitas vezes para o seu próprio espanto, seu suor ser expelido de sua cabeça com uma forca que ate’ a ele mesmo surpreendia.
   O tempo passava, o Pinto brincava, os ovos inchavam, a gala saia, e na mata escondia…
   Um dia curioso como sempre foi, explorando a mata na qual gostava tanto de brincar, encontrou uma Xícara que parecia estar abandonada, emborcada, seca, coberta de mata, dando a impressão que não era usada a muito tempo.
   A principio o Pinto não sabia do que se tratava, afinal, era a primeira vez em sua vida que via algo semelhante. Tentou entrar na Xícara com a pontinha de sua cabeça. Esfregava de um lado, bolinava do outro, tentou tanto que cansou e acabou ficando mole de tanta força infrutifera…
   Mas Pinto que se preze não se intimida por uma inaptidão passageira e temporária, pelo menos a maioria deles… Continuava a procurar entrar na Xícara de qualquer maneira, não desistiria! Mesmo que tivesse que ver sua cabeça completamente ferida depois de tanta fricção.
   Finalmente, depois de varias tentativas conseguiu atingir o interior. Entrava de vagar, com cuidado para não arranhar as suas paredes… Notou que a medida que entrava, a mata se abria e a Xícara o envolvia completamente, como se o estivesse engolindo, avida por ter algo dentro dela, o que jamais pensou ser possível, muito mais por estar emborcada, seca, empoeirada por tanto tempo.
   Finalmente, depois de muitas horas de exploracão, para frente e para traz, no interior daquela Xícara que, delirantemente descobriu e que o agradava tanto, cansado pelo prazer, cego pela emoção, não conseguiu mais conter o suor que o cobria e deixou que este escapasse com forca, umedecendo seu corpo, lubrificando o interior da Xícara, inundando a escuridão.
   Pinto estava irremediavelmente feliz. Nunca havia visto algo tão interessante, tão adequado, tão providencial… Com carinho, limpou a Xícara, aparou a mata que cobria o local por onde devia entrar para gozar dos prazeres que o abrigo de uma boa Xícara pode oferecer a seu pinto preferido e exclusivo, e dali fez sua morada permanente.
   Pelo que se sabe, Pinto passou a morar dentro da Xícara, de onde nunca mais saiu desde a primeira vez que a descobriu, abandonada pelos que por ela passaram e não lhe deram a importância que  merecia; relegada pelos que tentaram apenas se saciar do que ela tao desprendidamente oferecia, desesperançada de encontrar alguem que com ela se importasse, que lhe oferecesse carinho e proteção, alguem que cuidasse do seu interior com o mesmo prazer que gratuitamente recebia.
   Hoje, um Pinto robusto e sadio, ele abandonou as brincadeiras de criança, as exploracões de quando ainda era jovem e, passou a se dedicar inteiramente `a sua Xícara querida e, a única coisa que lhe da’ prazer e’ com ela brincar de casinha.

   Os exemplos mais vivos de como uma descoberta fortuita e inesperada pode se tornar o acontecimento mais importante, jamais sonhado estão no Pinto e a Xícara...


Copyright 2013 Eugenio Colin

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